Embora conte com forte apoio popular – em recente pesquisa da Ordem dos Advogados do Brasil 89% dos entrevistados manifestaram concordância com a tese da redução da maioridade penal para 16 anos -, o correto, cientificamente, é sua peremptória refutação, em razão sobretudo da sua ineficácia e insensibilidade. Se os presídios são reconhecidamente faculdades do crime, a colocação dos adolescentes neles só teria um significado: iríamos mais cedo prepará-los para integrarem o crime organizado. Aliás, os dois grupos que mais amedrontam hoje Rio de Janeiro e São Paulo (Comando Vermelho e PCC) nasceram justamente dentro dos nossos estabelecimentos penais.

Se de um lado, portanto, não parece dotada de sensatez essa postulação puramente vingativa, de outro, tampouco está claro no Estatuto da Criança e do Adolescente o tratamento que deve ser dado aos autores de crimes sanguinários, que revelam total desajuste comportamental.

Uma coisa é a prática da ameaça ou mesmo de um roubo desarmado, outra bem distinta é a morte intencional (dolosa), especialmente quando causada com requintes de perversidade. Para o ECA, entretanto, em princípio, tudo conta com a mesma disciplina, isto é, em nenhuma hipótese a internação do infrator (que é medida socioeducativa voltada para sua proteção e da sociedade também) pode ultrapassar três anos (ou sobrepor a idade de 21 anos).

Casos chocantes e aberrantes como o do menor Champinha (que confessou ter matado o casal de estudantes Liana e Felipe) não deveriam nunca conduzir a um perigoso e pouco amadurecido clamor popular (ou midiático), que emocional ou mesmo desesperadamente propugna pela adoção de medidas radicais e emergenciais, como se fosse imprevisível a violência juvenil.

Ao contrário, críticos e agudos momentos exigem maior ponderação, mesmo porque de medidas paliativas e pouco eficazes (como foi e é a lei dos crimes hediondos) o brasileiro já está exausto. Ninguém suporta o engano e a fraude de mais uma alteração legislativa que promete solução para todos nossos males econômicos e sociais, mas que na verdade nunca resolve nada.

Com o advento da Convenção da ONU sobre os direitos da criança, que foi subscrita por mais de 180 países (incluindo o Brasil), não há dúvida que se transformou em consenso mundial a idade de 18 anos para a imputabilidade penal. Mas isso não pode ser interpretado, simplista e apressadamente, no sentido de que o menor não deva ser responsabilizado pelos seus atos infracionais.

No imaginário popular brasileiro difundiu-se equivocadamente a idéia de que o menor não se sujeita a praticamente nenhuma medida repressiva. Isso não é correto. O ECA prevê incontáveis providências socioeducativas frente ao infrator (advertência, liberdade assistida, semiliberdade, etc.). Até mesmo a internação é possível, embora regida (corretamente) pelos princípios da brevidade e da ultima ratio (última medida a ser pensada e adotada). A lei concebe a privação da liberdade do menor, quando se apresenta absolutamente necessária.

De qualquer modo, em se tratando de menor absolutamente desajustado, que revela grave defeito de personalidade, não parece haver outro caminho senão o de colocá-lo em medida de segurança, para tratamento e recuperação.

Não é preciso, evidentemente, chegar à solução do Direito Penal italiano, que admite a imputabilidade penal acima dos 14 anos, conforme se constate concretamente (em cada caso) que o menor tinha capacidade de querer e de entender. Não parece aceitável, de outro lado, remeter o menor para o Código Penal; muito menos para os cárceres destinados aos adultos. Ao menor com grave desvio de personalidade não parece haver outro caminho senão o do tratamento adequado, nos termos do art. 112, § 3.º, do ECA, que deve durar até cessar a periculosidade. Com isso se conclui que, quando necessário, devem ser extrapolados os limites de três anos de internação ou dos 21 anos de idade.

Essa interpretação do ECA, de qualquer maneira, embora possa ser tido como razoável, não é de modo algum suficiente. Faltam investimentos que possam proporcionar ao jovem pautas de valores aceitáveis. Resta saber até quando estamos dispostos a pagar com nossa vida essa negligência de toda sociedade brasileira.

Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito pela USP, co-fundador e primeiro presidente do IBCCRIM e diretor-presidente da 1.ª TV Jurídica do Brasil. Foi juiz de direito em São Paulo de 1983 a 1999.

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