Prescrição e a súmula 106/STJ

Não é de hoje que muitos Contribuintes chamados a responder por débitos fiscais flagrantemente prescritos, são surpreendidos com a rejeição da tese trazida para alegar a extemporaneidade da pretensão executiva, devido à aplicação cada vez mais freqüente – e muitas vezes inadequada – dos efeitos da Súmula n.º 106/STJ, que assim preconiza: ?Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência? (DJ de 3/6/94).

Seis meses após sua publicação, o entendimento sumulado foi inserido no Código de Processo Civil (CPC), através da Lei n.º 8.952, de 13/12/94, que deu nova redação ao art. 219, § 2.º, do CPC: ?Incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subseqüentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário?.

O enunciado em questão – que reprisa o mesmo texto da Súmula n.º 78 do extinto TFR – teve ponto de apoio em uma série de julgados que defendem a necessidade de ?temperar? a regra estabelecida na parte final do art. 263 do CPC, que remete ao art. 219 do mesmo Codex, para estabelecer que a interrupção do curso do prazo prescricional ocorre somente após a citação válida do Réu (cf. Resp n.º 1.450/SP, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, 3.ª Turma, j. 21/11/89).

Em matéria tributária, a mesma regra – só que prevista no art. 174, parágrafo único, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN) – teve lugar até a edição da Lei Complementar n.º 118, de 9/2/05, que modificou a redação daquele dispositivo para fixar, no despacho que ordena o ato citatório, o evento que interrompe a prescrição.

Conquanto as decisões que deram suporte à edição da Súmula n.º 106/STJ demonstrem, ao menos aparentemente, uma preocupação valorosa do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em proteger os jurisdicionados (no caso, Autores diligentes) dos danosos efeitos eventualmente causados pelas deficiências do serviço judiciário – dentre eles a perda do direito de ação -, a diretiva desse enunciado é altamente questionável, especialmente em matéria tributária, quando se controverte com a Fazenda Pública, entidade que, por sua natureza, já goza de uma série de privilégios e prerrogativas processuais.

Com efeito, essa construção jurisprudencial acabou por alterar a previsão legal quanto às causas que interrompem a fluência do prazo prescricional, expressamente previstas no art. 174 do CTN. O mesmo raciocínio vale para o art. 219, § 2.º, do CPC, haja vista que a Lei n.º 8.952, de 13/12.94, que alterou sua redação, adveio seis meses após a edição da súmula.

Exatamente por esse motivo, a diretriz trazida pela Súmula 106/STJ deve ser vista com ponderação, sob pena de restar soterrado o princípio maior da Segurança Jurídica, que confere sustentabilidade ao instituto da Prescrição, cuja autoridade não pode ser mitigada frente a acontecimentos de ordem social, política ou administrativa, como a alegada ?falha no mecanismo judiciário?. Segundo ORLANDO GOMES, ?É a segurança do comércio jurídico que exige a consolidação das situações jurídicas pelo decurso do tempo. Trata-se, portanto, de medida política e jurídica, ditada no interesse da harmonia social? (Introdução ao Direito Civil. Forense: 1965, p. 424).

Além disso, a prática revela que a aplicação do enunciado nem sempre é feita a partir da análise criteriosa e contextualizada dos fatos que concorreram para a ocorrência da prescrição.

Para que seja legítima a incidência de seus efeitos no caso concreto, é indispensável que fique demonstrado: a) ter o Autor reunido esforços no sentido de impulsionar o andamento do feito, seja para agilizar o cumprimento do mandado de citação, seja para obter o despacho que a ordena, conforme a legislação vigente à época e; b) não obstante a conduta diligente do interessado, o decurso do prazo tenha sido conseqüência de falha no mecanismo da justiça.

Nesse particular, vale o registro de que o princípio do impulso oficial, esculpido no art. 262 do CPC, não é absoluto, pois é dever das partes contribuírem para o regular trâmite processual, adotando as medidas necessárias a fim de evitar a sua paralisação por tempo indeterminado, já que tal circunstância pode ensejar prescrição, inclusive a intercorrente.

A jurisprudência já se mostrou sensível à questão:

?PROCESSO CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – ARQUIVAMENTO – ART. 40 DA LEF – DESNECESSIDADE EM INTIMAR A EXEQÜENTE DO SILÊNCIO DA RECEITA FEDERAL ANTE A REQUISIÇÃO DE OFÍCIOS FEITA PELO JUÍZO – IMPULSO OFICIAL – INÉRCIA DO EXEQÜENTE – PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE CARACTERIZADA.

A movimentação da máquina judiciária pode restar paralisada por ausência de providências cabíveis ao autor, uma vez que o princípio do impulso oficial não é absoluto.

Diante da inexistência da obrigação legal em intimar a autarquia para dar prosseguimento ao feito, cabia a ela, pois, zelar pelo andamento regular do feito, com a prática dos atos processuais pertinentes dentro do qüinqüênio estabelecido em lei.

Recurso especial provido?. (STJ, Resp n.º 502.732/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, 2.ª Turma, DJ de 29/3/04, destacou-se).

Portanto, desde que evidenciada a concorrência da conduta omissiva do Autor para a paralisação do feito, não se justifica a incidência da Súmula n.º 106/STJ ao caso, devendo ele arcar com as conseqüências de sua desídia.

Espera-se que, num futuro próximo, a reiterada aplicação do enunciado n.º 106/STJ, hoje observada, passe a ser esporádica, seja pelas ponderações acima, seja porque sua comum utilização representa um atestado da ineficiência progressiva da Máquina Judiciária.

Janaina Baggio é advogada em Curitiba, pós-graduada em Direito Tributário pelo Centro Universitário Curitiba. www.prolik.com.br

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