O presidente Lula anda preocupado demais com o que fazem os deputados de seu partido – o PT. O presidente se preocupa, principalmente, quando alguns deles comparecem a atos em que o objetivo dos manifestantes é criticar o governo, reivindicar ou, mesmo, advertir para antigas promessas esquecidas. Ao deputado João Paulo, presidente do Congresso Nacional, ele se queixou amargamente, dia desses, dos companheiros que estiveram presentes no ato público contra as reformas realizado em Brasília, com a participação de mais de 20 mil pessoas – o primeiro e, certamente, não o último. Lula pode ser uma pessoa acostumada a atos dessa natureza. Mas o primeiro protesto, ninguém esquece.

Lula se preocupa à toa. Deveria prestar mais atenção no que esses “arruaceiros” dizem, para ajustar sua sintonia fina com a população que o elegeu presidente, embalada pelo carrilhão sonoro da esperança. Como num receptor avariado, ela anda um pouco turbada pelas irradiações magnéticas do poder, onde os que tomam assento pensam às vezes que tudo podem, tudo sabem, tudo resolvem da melhor forma possível. Um dos sintomas dessa avaria é, por exemplo, achar que algumas críticas de que já é alvo seu governo decorrem da falta de propaganda positiva sobre elas, a ponto de puxar a orelha de ministros e colaboradores mais íntimos por entender que cometem uma “divulgação deficiente”.

Lembremos apenas que, quando candidato, um dos argumentos que Lula usava amiúde era exatamente o de que o poder público estava gastando muito para dizer sobre o pouco que fazia. Por mais que o governo realize – e não é exatamente o forte do caso presente -, sempre haverá quem ache que poderia ter sido feito mais, mais e melhor, ou de outro jeito. Portanto, é até certo ponto inútil ficar malhando nessa bigorna. É ferro frio. O melhor destino dos dinheiros públicos não é o marketing da equipe que exerce o governo, mas, como convém, são as obras e ações que todos esperam desse governo que aí está.

É natural que, depois de tantos anos na oposição, o governo do PT tenha preocupações excepcionais com o que dizem os outros. Sabe, como ninguém, como é possível solapar a credibilidade, mostrar erros nos aparentes acertos, fazer a antipropaganda, tergiversar e, acima de tudo, elevar o volume da voz dos descontentes. O que não é natural – ou, pelo menos, não deveria ser – é dizer a um parlamentar que se imagina afinado com suas bases que ele tem que se dissociar delas apenas para vestir incondicionalmente a camisa do governo, como em vão vem tentando o coordenador político do Planalto, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Mesmo em temas onde o contraditório não só existe, como, se usado convenientemente, faz bem ao próprio governo. Afora o fato de que detentores de mandato popular se regem por outras guias, diversas daquelas da subordinação à chefia funcional, a ordem unida é coisa para quartel.

Se tudo corresse bem, não existiriam motivos para tais preocupações. Simplesmente porque os descontentes, pelo menos esses que agem internamente e tanto preocupam o chefe do governo, não estariam a se manifestar com tanta veemência. Nem teriam, como tiveram nesses dias que passaram, momentos de tanta glória. E enquanto estiverem em alta os índices de desemprego, vida apertada, segurança capenga… tudo isso haverá de fazer crescer ainda mais a glória dos que ousam chamar a atenção para o desvio de rota que cada vez mais se acentua em relação ao discurso que muitos ainda são capazes de lembrar.

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