Não se trata de um vulgar ?teje preso?, mas de um choque entre a parte civil do governo federal e os ministérios militares, particularmente o da Aeronáutica, que envolve questões de autoridade e hierarquia. Referimo-nos às idas e vindas do Poder Executivo no caso da greve dos controladores de vôo que levou o tráfego aéreo a uma paralisação total há poucos dias. Os controladores entraram em greve quando o presidente Lula estava nos Estados Unidos, em conferência com o presidente Bush. Como os aviões não podem voar sem o trabalho dos controladores e este é um serviço subordinado à Aeronáutica, embora parte dos profissionais seja civil, houve desde logo a ameaça de prisão dos paredistas. Pena que se justificaria por quebra de hierarquia, desobediência e outros crimes listados nos códigos militares. Lula, a distância, nomeou o ministro civil Paulo Bernardo, do Planejamento, para representar o governo nas negociações com os controladores em greve, fato não bem recebido pelo comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, e pelos oficiais que chefiam as torres de controle do sistema.

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O resultado todos conhecem. Lula teve de voltar atrás para não gerar uma crise com as Forças Armadas e endurecer com os grevistas, não os recebendo como prometera, adiando sine die a concessão de uma gratificação que viria por medida provisória e ainda a criação de um órgão civil para tirar da alçada militar o controle dos vôos comerciais nos céus do País. Agora tudo está entregue nas mãos de Jesus. Afirma o presidente da República que se houver uma nova paralisação e repetição do caos aéreo durante os festejos da Semana Santa, ou seja, até que passem a Paixão de Cristo e a Páscoa da Ressurreição, ele libera as prisões. Evidentemente que esta afirmação implica, em caso contrário, na volta da proibição das prisões exarada desde Camp David, nas proximidades de Washington, quando ainda era mediador o ministro civil Paulo Bernardo e se sentiam desautorizadas as autoridades militares.

A primeira indagação que se faz é se tem o governo Lula condições políticas, hierárquicas e de fato para suspender as prisões dos controladores em greve? Parece-nos que não e bastaria um argumento para demonstrar que a punição dos grevistas, mesmo que eles venham a trabalhar obedientemente durante os feriados da Semana Santa, pode ser inevitável. E pouco importa a posição do presidente, seja ela acorde com a dos militares, seja favorável aos controladores paredistas. Acontece que existe um Ministério Público Militar, como existem os civis, e não estão subordinados a nenhuma outra autoridade. Nem mesmo ao presidente da República. Se do processo iniciado pelo procurador da Justiça Militar resultar condenação aos grevistas, eles podem ser presos, queira ou não o presidente Lula.

O presidente da República transmitiu sua posição condicional a respeito de autorizar ou não as prisões aos presidentes dos partidos aliados ao governo. Talvez uma escusa política ou uma frase de efeito, para demonstrar que não recuara tangido e sim por concordar com a Aeronáutica. Mas o episódio terá o condão de demonstrar a este governo, que tem tido a colaboração das Forças Armadas, embora caminhe tendo ao seu lado muitas forças políticas de esquerda que antes combateu e pelos militares foram combatidas, que mesmo conseguindo manter um ambiente de concórdia com os militares, ainda assim tem suas limitações. Admitir as prisões ou proibi-las parece ser uma decisão que não está na alçada nem de um presidente tão fortemente respaldado pela opinião pública como Lula.

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