O Ministério do Trabalho e Emprego editou a Portaria n.º 42, de 28 de março de 2007, publicada no DOU de 30.03.07, disciplinando requisitos para a flexibilização do intervalo alimentar do art. 74 da CLT, permitindo redução do intervalo intrajornada, por negociação coletiva.

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A CLT em seu artigo 71 dispõe: ?Em qualquer trabalho contínuo cuja duração exceda de seis horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será no mínimo, de uma hora e, salvo acordo ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de duas horas?.

Resta claro que o intervalo de uma hora não pode ser reduzido a todo trabalhador submetido a jornada de trabalho superior a seis horas diárias. E essa disposição legal tem sua razão de ser, visando proteger a saúde do trabalhador, assegurando-lhe preservação de sua higidez física e mental, já que não possui outro meio de subsistência, senão vender sua força de trabalho plena, através do que for pactuado em um contrato de trabalho, bilateral, em que não pode ser admissível qualquer excesso que implique em dano e ou prejuízo ao seu capital de vida.

Não é desconhecido de todos que o Brasil é campeão mundial de acidentes do trabalho, sendo que os 500 mil acidentes oficiais reconhecidos não correspondem à realidade, certo que 80% dos acidentes são subnotificados, razão de o governo ter conseguido aprovação da novíssima Lei 11.330/06, regulamentada pelo Decreto n.º 6.042, de 12 de fevereiro de 2007 e pela Instrução Normativa INSS/Pres n.º 16 – de 27 de março de 2007 DOU de 30/3/2007, aprovando nova metodologia, permitindo ao INSS conceder o auxílio-doença acidentário (B-91), mesmo sem a emissão da CAT pelo empregador.

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Assim, não é admissível priorizar o já superado instituto da ?autonomia da vontade? diante da reconhecida desigualdade das partes (capital x trabalho), principalmente num mundo de economia globalizada em que o que se busca não é o da inclusão cidadã, mas a busca desenfreada da maior produtividade, lucratividade e ao menor custo operacional possível.

Em nosso entendimento, o Ministério do Trabalho e Emprego ao editar a Portaria n.º 42 na prática busca assegurar ao capital instrumento facilitador à flexibilização e precarização laboral, ao arrepio da norma constitucional cidadã vigente que não admite retrocesso social, art. 7.º, caput, que ao assegurar os direitos enumerados nos incisos I a XXXIV, não exclui a possibilidades de que visem à melhoria de sua condição social.

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A permissão ministerial para redução do intervalo alimentar intrajornada via negociação coletiva por certo visa atender a interesses econômicos desrespeitando-se a garantia constitucional que assegura sempre a prevalência da melhoria da condição social do obreiro, sendo prejudicial à saúde física e psíquica do trabalhador que carece de continuar fruindo do intervalo já habitual previsto no art. 71 da CLT que não sofreu modificações nem nos governos militares anteriores, que não permitiam reajustes salariais além dos previstos nos famigerados decretos-leis.

Ao contrário do exemplo do Ministério do Trabalho e Emprego com a edição dessa inoportuna Portaria n.º 42, a sociedade organizada por diversas entidades de classe e mesmo instituições públicas compromissadas com um mundo de inclusão e não de exclusão têm buscado encontrar mecanismos asseguradores de eficácia à realização dos direitos fundamentais da pessoa humana e em especial do trabalhador fragilizado nessas relações laborais. Neste sentido, como exemplo, louvamos a iniciativa da ANPT Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho ao realizar em Brasília de 19 a 22 de abril de 2007, seu XII CNPT, com a temática central perseguida: ?O processo como Instrumento de Realização dos Direitos Fundamentais?.

Também consultada para opinar sobre a conveniência, oportunidade e ou não da portaria n.º 42, gentilmente nos enviou mensagem criticando a adoção da medida a Dra. Magda Barros Biavaschi economista com mestrado pela Unicamp e juíza do Trabalho aposentada do TRT da 4.ª Região (RGS) que detém larga visão na aplicação do direito social e laboral em nosso País:

?É, veta-se a Emenda 03, mas, por portaria, restringem-se direitos. Trata-se claramente de uma das formas produtoras da flexibilização, como bem aponta Uriarte. Ou seja, altera-se o sistema da hierarquia dinâmica das fontes, dando-se prevalência ao negociado e, ademais, sem qualquer referência à prévia autorização do Ministério do Trabalho. O Estado é uma relação, uma condensação material de forças, segundo Poulantzas. Portanto, há nichos, contradições, posições não uníssonas que se expressam inclusive no próprio TST, especialmente sobre o tema da jornada de trabalho, nas validades dos ajustes compensatórios, nos turnos ininterruptos de revezamento, etc.. encontrando-se decisões nulificando o sistema. Até porque o Estado é uma condensação material de forças, há contraditórias, como é o caso dos turnos ininterruptos. Vê bem quanto aos turnos ininterruptos, o TST é quase um samba do crioulo doido. Mas quanto ao intervalo e a Portaria que legitima a redução sem exigir a participação do Ministério Público, priorizando a negociação coletiva. Ou seja, como diz Uriarte, flexibiliza pela inversão das fontes, colocando o negociado em situação de prioridade. Na verdade, a legislação (artigo 71 da CL) admite a negociação coletiva apenas para majorar o intervalo máximo de duas horas previsto em lei, não para reduzir o mínimo. Essa redução é admita apenas por ato do Ministério do Trabalho, nos moldes do previsto no parágrafo terceiro (§ 3.º) daquele dispositivo. Daí a dicção das Súmulas 342 e 307 do TST, esta a consagrar que, após a edição da Lei 8923/1994, que alterou o artigo 71 da CLT, a não concessão total ou parcial do intervalo intrajornada mínimo, para repouso e alimentação, implica o pagamento total do período correspondente, com acréscimo de, no mínimo, 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho (antes prevalecia o entendimento de que se tratava de mera infração administrativa, como constava da Súmula 88 do TST, já cancelada). A Portaria faz tabula rasa a tudo isso e, desrespeitando a própria contradição no seio das decisões do TST, dá a prevalência ao negociado e legitima a redução, retirando da sena o Ministério do Trabalho. Vê bem: por um lado, o Presidente veta a Emenda 03, da Lei da Super Receita. Por outro, o seu Ministro antecipa-se à manutenção e/ou derrubada desse veto, e retira do cenário o Ministério do Trabalho?.

A jurisprudência, analisando o quadro econômico neoliberal que não tem compromisso com o social, com sua responsabilidade social e diante dos direitos fundamentais e em especial no que pertine às garantias da legislação infortunística protetora da mantença da saúde física e mental do trabalhador tem pacificado o entendimento de que negociação que vise suprimir o tempo de intervalo mínimo assegurado na legislação obreira para atender a interesses do capital é inválido, nulo e inoperante, sendo É inadmissível a redução do intervalo intrajornada, ainda que por meio de norma coletiva. Neste sentido de se relembrar o recente julgamento pela Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho que acompanhou, por unanimidade, o voto do relator, ministro José Simpliciano Fernandes, em ação movida por um ex-empregado da empresa Calçados Azaléia S/A, que segundo o ministro Simpliciano Fernandes, a decisão recorrida do TRT/RS está em consonância com o entendimento prevalecente na Corte, consolidado na Orientação Jurisprudencial n.º 342 da Seção Especializada em Dissídios Individuais – 1, que dispõe ser inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada, porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública. (RR-96576/2003-900-04-00.7).

A esse propósito a OJ n.º 342 da SDI-1 do C.TST, in verbis:

?É inválida cláusula de acordos ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7.º, XXII, da CF/88), infenso à negociação coletiva?.

Conclusão.

Diante do exposto, inconveniente e inoportuna Portaria n.º 42 está a merecer revogação imediata por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, contribuindo para a proteção à incolumidade física e mental do trabalhador que carece fruição do repouso intervalar já assegurado pelo art. 71 da CLT, contribuindo para a reposição das energias exauridas no cumprimento de sua jornada de trabalho, com diminuição dos riscos de acidentes e de desenvolvimento de doenças ocupacionais.

Luiz Salvador é presidente da Abrat (www.abrat.adv.br), secretário-geral da ALAL (www.alal.info), representante brasileiro no Departamento de Saúde do Trabalhador da Jutra (www.jutra.org), assessor jurídico da Aepetro e da Ativa e membro integrante do corpo técnico do Diap.