Por uma questão de coerência

Os críticos do projeto de reforma tributária enviado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional ganharam novo fôlego com a divulgação do levantamento feito pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) sobre o volume de impostos pagos pelos contribuintes. Segundo a pesquisa, somente no ano passado, os assalariados pagaram quase cinco vezes mais Imposto de Renda que as instituições financeiras. Enquanto os trabalhadores pagaram nada menos de R$ 26,94 bilhões de IR, os bancos pagaram apenas R$ 5,70 bilhões.

Os números impressionam. E, ao mesmo tempo, lançam ao governo o desafio de reduzir a brutal distorção existente no sistema tributário nacional. É verdade que a diferença de tributação entre os assalariados e as instituições financeiras caiu nos últimos sete anos – os bancos estão recolhendo 391% mais Imposto de Renda do que recolhiam em 1995.

Mas isso tem pouco efeito prático para o conjunto dos trabalhadores, sobretudo para a classe média. Porque é exatamente a classe média a mais penalizada por essa distorção. Segundo o IBPT, a classe média pagou 63,85% de todo o volume de IR retido na fonte, no ano passado. Os assalariados enquadrados como sendo de baixa renda pagaram 9,75%. E a classe alta contribuiu com 26,4% da arrecadação.

Essa divisão irracional das contribuições exige a adoção de medidas urgentes para resolver o problema. Uma delas seria resgatar um projeto que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) elaborou quando ainda era senador da República. O projeto previa a criação de um imposto sobre as grandes fortunas. Outra medida eficaz seria o governo reformular a tabela do Imposto de Renda, ampliando as faixas de contribuição para evitar que as reduzidas alíquotas em vigor continuem reproduzindo as distorções.

Lamentavelmente, não é o que o atual governo vem fazendo. O Palácio do Planalto enviou projeto ao Congresso Nacional prevendo o aumento da alíquota máxima do IR para 35%. Ao fazê-lo, a equipe econômica do Planalto caminha, contraditoriamente, em direção contrária à do governo dos Estados Unidos, que aceitou reduzir a carga tributária, implicando em uma renúncia fiscal de US$ 550 bilhões. É claro que o volume de impostos arrecadado pelo governo americano é muito superior ao brasileiro, mas o exemplo dos EUA não deixa de ser emblemático.

Além das razões econômico-financeiras, porém, Luiz Inácio Lula da Silva tem razões de ordem política para justificar uma mudança de postura. As lideranças políticas e sobretudo as autoridades econômicas do partido – como Maria da Conceição Tavares, Guido Mantega, Paul Singer e o atual líder do partido no Senado, Aloisio Mercadante – vêm criticando essas distorções do sistema tributário há anos, especialmente nos oito anos de mandato de FHC. Só Maria da Conceição Tavares, porém, vem sustentando suas posições.

Alterar o projeto de reforma tributária enviado ao Congresso Nacional seria, portanto, uma medida coerente e mais adequada aos 20 anos de história do PT como defensor dos trabalhadores. A racionalidade da administração pública não dispensa o PT de ser, no mínimo, coerente. Mas isso, lamentavelmente, ainda não parece ter sido compreendido pelo presidente da República e seus aliados.

Aurélio Munhoz é editor-adjunto de Política em O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.

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