A lamentável intervenção militar norte-americana no Iraque reforça a necessidade, urgente, de as demais nações do planeta enfrentarem o desafio de implantar uma nova ordem política internacional. Uma ordem que transfira da Casa Branca a um conselho diplomático internacional soberano, e com plena autoridade, o poder decisório a respeito de todas questões que possam trazer algum impacto negativo para o resto do mundo.
Na prática, esta posição implica em um resgate das funções originais da ONU (Organização das Nações Unidas), concebida no pós-guerra para ser um grande tribunal de conciliação diante dos problemas político-econômicos internacionais e, ao mesmo tempo, um organismo destinado a auxiliar os esforços humanitários das nações para tentar reduzir a miséria e as gritantes desigualdades sociais existentes em todo o planeta.
Não se trata, com essa proposta, de fortalecermos as posições xenófobas contra os EUA, que se verificaram depois dos abusos cometidos pelas Forças Armadas norte-americanas no Iraque. Trata-se apenas de evitar que, na defesa dos seus interesses corporativos, a mais poderosa nação do planeta continue desrespeitando o resto do mundo, e, o que é pior, provocando sérias consequências sócio-econômicas para o planeta.
Não é preciso nos alongarmos muito nos nossos argumentos para justificarmos esta posição. Basta considerar os enormes prejuízos econômicos que as nações com as quais o Iraque mantém relações comerciais sofreram por causa da quase completa destruição da infra-estrutura urbana e viária do país, cujo custo pode chegar a U$ 200 bilhões.
Há outro aspecto muito mais perverso do problema. Referimo-nos ao absoluto desrespeito imposto pela Casa Branca à população civil iraquiana, quando não aos próprios jornalistas de todo o mundo que fizeram a cobertura da guerra, como Samia Nakhoul, correpondente da Reuters em Bagdá morta no ataque dos marines norte-americanos ao hotel onde os jornalistas estavam, sob a acusação de que ali havia franco-atiradores fiéis a Saddam Hussein.
Dias antes, Samia havia escrito uma reportagem relatando que o menino Ismael Abbas, 12 anos, havia perdido toda sua família e teve seu braços arrancados quando um míssil foi lançado sobre sua casa. Devido aos bombardeios, o menino não estava recebendo as doses adequadas de anestésicos e de analgésicos recomendados a pacientes na sua condição. Barbaridades como essa custaram uma dura reprimenda de Roland Huguenin-Benjamin, porta-voz da Cruz Vermelha, que, em 25 anos de atividade, disse nunca ter visto uma guerra com tantas vítimas.
Mais do que comprovar sua conhecida ganância pelo dinheiro, o que a Casa Branca comprovou nesta guerra, assim como em tantas outras, foi sua arrogância diante das demais nações e seu desprezo pela condição humana. Um governo que adota posturas como estas não pode continuar exercendo o poder de mando da política externa internacional. A adoção de medidas rigorosas para evitar a expansão do poderio político norte-americano, portanto, é urgente. Porque a repetição de abusos desta ordem constitui muito mais que um atentado contra os iraquianos; é um atentado contra toda a humanidade.
Aurélio Munhoz politica@parana-online.com.br é editor-adjunto de Política de O Estado e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.