O ex-primeiro ? ministro da Espanha Filipe González deixou uma lição extremamente importante durante sua última passagem pelo Brasil, no mês passado. Disse aos empresários e políticos presentes à Cúpula de Negócios da América Latina, no Rio de Janeiro, que para ter acesso ao andar de cima das economias nacionais o Brasil precisa conjugar três exigências: liberalização da economia, privatização da infra-estrutura e distribuição de renda. Não há dúvidas de que, apesar de todas as conseqûências negativas nos planos político-econômico-sociais gerados por conta da adoção do nosso atual modelo de desenvolvimento, a economia brasileira está seguindo a receita com empenho nos dois primeiros casos.
O problema é a outra perna do tripé. A distribuição de renda continua sendo a pior das mazelas brasileiras. E, de resto, das economias periféricas da América e da África. Não foi outro o motivo pelo qual González insistiu tanto na necessidade de os países emergentes terem coragem de adotá-la. A Espanha assumiu uma posição de destaque no cenário econômico internacional somente quando afinou a base da pirâmide social, e não quando recebeu um significativo aporte de recursos da União Européia.
Na mesma trilha, o economista norte-americano John Williamson, pai do Consenso de Washington, o longo receituário em defesa da economia de mercado recomendado aos países em desenvolvimento, reforçou a necessidade de os emergentes adotarem essa mesma prática. Inclusive o Brasil, país onde Williamson viveu quando lecionava na PUC/RJ para Armínio Fraga.
Não é mera causalidade o fato de duas lideranças respeitadas no plano internacional, um no campo político; o outro, no econômico, terem defendido essa tese. A unanimidade em torno de uma máxima que possui tantas implicações deve-se ao fato de que o mundo, e não mais apenas o Brasil, já não suportam mais a brutalidade, o corporativismo e a sandice da lógica capitalista. O mundo não suporta, enfim, a desigualdade, o oposto de um dos ideais da Revolução Francesa que o pragmatismo das nossas elites se encarregou de sepultar.
Daí por que não faz o menor sentido setores da imprensa nativa repetirem, como ocorreu na semana passada, a falácia de que a insegurança do mercado está trazendo de volta a inflação e pode comprometer o início do mandato de Lula. Como se a inflação tivesse realmente acabado (Paul Singer lembra que a inflação não pode ser extinta, mas apenas controlada, já que é impossível evitar a flutuação dos preços numa economia de mercado) e os investidores já não tivessem se inquietado, e lucrado horrores com a especulação financeira que promoveram, mesmo nos áureos anos do governo FHC.
Falácias dessa envergadura têm origem e endereço certos. Mas, felizmente, nem sempre funcionam. Como aconteceu na Espanha, onde Filipe González conseguiu driblar o pessimismo que tomou conta do mercado devido à sua inexperiência político-administrativa fazendo o que a população esperava: promoveu uma distribuição de renda mais justa. Talvez isso explique por que o Brasil ainda é a Belíndia do planeta, e não, apenas, a Bélgica. Para que isso aconteça, é preciso deixar as rígidas fórmulas econômicas de lado, priorizando a lógica social. As nossas elites, porém, ainda estão muito distantes de compreender isso.
Aurélio Munhoz é editor-adjunto de Política de O Estado do Paraná (politica@parana-online.com.br) e mestrando em Sociologia Política pela UFPR.