Lula lá em Cuba e Benedita da Silva em Buenos Aires. Em doce sotaque latino, assim terminou a semana que passou. Ambos, com poucos argumentos para justificar a viagem paga pelos contribuintes brasileiros num momento em que todos são chamados à dupla responsabilidade – além de pagar a conta, colaborar participativamente com as obras sociais de um governo vocacionado à mudança de tudo o que aí está.

A viagem de Lula à ilha do amigo Fidel Castro, que encarna a mais longeva ditadura do planeta, ainda com o apetite da sumária justiça do paredón, empalidece nossa vocação democrática de comprovada resistência. E hoje já não interessa mais se foi ali que se homiziaram em negros tempos doutas figuras da atualidade, como o ministro-chefe José Dirceu, da Casa Civil. Se ainda fosse uma visita particular, carregada de sentimentos, tudo bem. Mas também aí não teríamos nós que pagar passagem, nem mordomia, nem assessoria, nem ordenanças.

Deixemos a viagem do presidente Lula de lado porque, segundo o nosso embaixador em Havana, Tilden Santiago (um ex-jornalista mineiro que, fracassado nas urnas, tornou-se diplomata), “Cuba não deve ficar isolada do conjunto das nações”. Isso contraria a vontade norte-americana, para onde Lula pende, mas Tilden justifica que “temos um tamanho expressivo que nos permite ser solidários com Cuba sem perder as relações com os EUA”… Vamos ver o que aconteceu com Benedita, a ministra da Assistência e Promoção Social que a poucos assiste e a si própria muito promove.

Nem mesmo sua assessoria conseguiu manter as versões que ela inventou para justificar o lado torto de mais uma “histórica” viagem sua. Hospedada num dos mais caros hotéis de Buenos Aires (diárias a partir de R$ 1.200,00), a ministra arrancou lágrimas dos convivas do café da manhã de quinta-feira última ao contar sua dura infância na favela e testemunhar seu feliz encontro com Deus. Era um conclave religioso de evangélicos (o 12.º Desayuno Anual de Oración), onde nada de governamental ou oficial existia, nem da parte argentina, nem da parte brasileira. Para justificar a viagem agendada há tempo, Benedita argumentou com um encontro com a ministra do Desenvolvimento Social da Argentina, a primeira-dama Alícia Kirchner, solicitado com apenas 24 horas de antecedência. No Diário Oficial da União, entretanto, uma portaria da própria Benedita autorizava, bem antes, o afastamento de uma assessora sua… com a missão de acompanhar a ministra na viagem ao tal Desayuno.

Flagrada, a ministra sustentou uma história desmentida pelo próprio diretor de Comunicação de sua pasta, Fernando Gray. Ele assegurou que o encontro de trabalho, segundo Benedita “marcado há muito tempo”, havia sido solicitado, na verdade, apenas e somente na véspera. Segundo Benedita, foram os evangélicos, que, sabendo de sua viagem, agendaram sua participação no tal café… que, afinal, de uma forma ou de outra, seria bebido. Dizendo-se vítima de perseguição religiosa, a ministra reclama: “Sempre que tem alguma coisa de evangélico no meio, a gente tem que dar explicações”…

Devia saber a ministra que não são as coisas evangélicas que a obrigam a dar explicações, mas, sim, aquelas de ordem oficial, coisas do governo a que serve em condição privilegiada. Diz a Constituição que cada um pode rezar livremente para o santo de sua preferência. A mesma Carta Magna, entretanto, separa as coisas do Estado daquelas coisas da igreja, cujo orçamento deve ser sempre distinto, seja esta qual for. Daí porque seria melhor que em suas orações e recomendações, a ministra Benedita fosse financiada por outro caixa -não este da República, que igualmente não existe para patrocinar encontro entre amigos ou camaradas, a menos que a coincidência atenda a prementes objetivos nacionais…

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