Victor Lapuente Giné, no jornal El País de 27/3/09, p. 27, questionou e descreveu algumas razões para tanta corrupção na Espanha. Valendo-me desse seu artigo como espelho, vamos transpor suas conclusões (com as quais concordamos em linhas gerais) para a situação brasileira.
No Relatório do Banco Mundial divulgado no dia 29/6/09 (oitava edição do Informe Indicadores mundiais de bom Governo) vê-se que o Brasil não melhorou significativamente sua posição no ranking dos países menos corruptos. A dianteira dos 212 países analisados continua em mãos da Dinamarca, que conquistou a maior nota global (em matéria de medidas anticorrupção: +2,32). Brasil ficou na posição intermediária e sua nota foi -0,03. Na América Latina a liderança anticorrupção é do Chile. Depois vem Uruguai, Peru, Brasil etc. Nos últimos dez anos, os indicadores do Brasil permanecem mais ou menos estáveis (de +0,10 há dez anos passou agora para -0,03, sendo que a margem de erro varia entre 0,14 e 0,18).
De acordo com o autor acima citado (Victor Lapuente Giné) devemos evitar dois equívocos nessa área: (a) dizer que a corrupção é um fenômeno cultural (“é da nossa cultura”) (na verdade, é precisamente o contrário: é a corrupção que deteriora a cultura, não a cultura que gera corrupção); (b) afirmar que falta regulamentação mais detalhada para a proteção do interesse público.
A causa mais grave da corrupção deve ser buscada na politização partidária das instituições públicas, cujos cargos, em grande parte, são preenchidos por critérios políticos (de amizade, lealdade e de retribuição). É a política do clientelismo.
Essa politização partidária (na Administração Pública) gera: (a) grande vulnerabilidade à corrupção (na medida em que há incerteza em relação às próximas eleições), o que leva o funcionário (passageiro) a ser mais proclive ao suborno (e ao enriquecimento ilícito); (b) a convergência de interesses político-partidários (particulares) entre todos os que tomam decisões que definem as políticas públicas.
Em lugar de um funcionário público independente, que tenha condições de denunciar o que não é correto para o interesse público, o administrador conta ao seu lado com asseclas que não pensam em outra coisa que ganhar as próximas eleições (para manter o poder, o cargo, suas benesses etc.).
É da condição humana a contínua busca de poder, ou seja, sua conquista, manutenção e expansão. O poder é alcançado por meio de eleições e de partidos políticos (e de financiamentos lícitos e ilícitos, compromissos de cargos etc.). Os políticos não pensam em outra coisa, porque, como dizia Maquiavel, “O desejo de conquistar é uma coisa muito natural e comum, e sempre os homens que o puderem o fizerem serão louvados por isso, ou [pelo menos] não serão censurados”. Faz parte da antropologia (da natureza humana) a competitividade, a conquista, a expansividade.
E para alcançar e manter o poder muitas vezes o político coloca em ação meios não recomendáveis (pouco ortodoxos), como, por exemplo, a fraude (corrupção), a violência ou a total ausência de ética. Conta, ademais, com a conivência dos funcionários (partidários) que jogam no mesmo tipo com o mesmo objetivo (ganhar as eleições, manter cargos etc.).
Outro fator que muito contribui para a corrupção é a impunidade. Para garantir a “governabilidade” (de uma instituição totalmente destruída pela imoralidade, corrupção, nepotismo, patrimonialismo etc.), ou seja, para assegurar a impunidade das trambicagens e estripulias anti-republicanas, todo tipo de acordo (político) é admitido. Somam-se coronelismos com aventureiros emergentes, velhos patrimonialistas com sindicalistas, tudo em nome da governabilidade, isto é, da impunidade.
O governo do país, dos estados, e das cidades, no Brasil, continua marcado pela política do clientelismo. Nesse ponto nosso país lembra os EUA do final do século XIX e começo do século XX. Suas cidades eram administradas por um tipo de governo tendencialmente corrupto que se chamava strong-mayor (eleição para os cargos executivos e legislativos, dando-lhes ampla liberdade de nomeação de seus partidários, para governar a cidade). Desse velho modelo clientelista evoluiu-se para o city-manager, onde os cargos executivos passam para as mãos de profissionais independentes. O partido que ganha as eleições não entra no governo com mãos livres, ao contrário, com “mãos atadas”.
O acesso ao cargo público não pode seguir outro critério que não seja o mérito e a competência. Daí a valia dos concursos públicos. Os funcionários devem ser independentes, mas não podem se perder no corporativismo e cartorialismo. O estilo de administração tem que ser idêntico ao privado, tal como hoje se passa na Suécia e na Nova Zelândia, que se acham dentre os países menos corruptos do mundo.
Muita coisa faz falta no Brasil para que alcancemos níveis decentes de moralização da coisa pública. Sobretudo nos faz muito falta o espírito republicano, bem sintetizado por José Murilo de Carvalho em O Globo de 06.07.09, p. 7: “Ser republicano é crer na igualdade civil de todos, sem distinção de qualquer natureza. É rejeitar hierarquias e privilégios. É não perguntar: “Você sabe com quem está falando?” É responder: “Quem você pensa que é?”. É crer na lei [assim como na constituição e nos tratados internacionais] como garantia da liberdade. É saber que o Estado não é uma extensão da família, um clube de amigos, um grupo de companheiros. É repudiar práticas patrimonialistas, clientelistas, familistas, paternalistas, nepotistas, corporativas. É acreditar que o Estado não tem dinheiro, que ele apenas administra o dinheiro pago pelo contribuinte. É saber que quem rouba dinheiro público é ladrão do dinheiro de todos. É considerar que a administração eficiente e transparente do dinheiro público é dever do Estado e direito seu. É não praticar nem solicitar jeitinhos, empenhos, pistolões, favores, proteções. Ser republicano, já dizia há 346 anos o jesuíta Simão de Vasconselos, é não ser [o jeito de ser do] brasileiro”. Do mesmo jesuíta lemos: “Nenhum homem [político, eu diria] nesta terra é repúblico, nem vela ou trata do bem comum, senão cada um do seu bem particular”.
Luiz Flávio Gomes é doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, mestre em Direito Penal pela USP e diretor-presidente da Rede de Ensino LFG. Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz de Direito (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001). www.blogdolfg.com.br