Ponte da amizade: 40 anos

Prevenção e repressão à criminalidade na fronteira Brasil-Paraguai

g891.jpgA Ponte da Amizade liga a República Federativa do Brasil com a República do Paraguai, foi inaugurada em 27.3.1965, pelos presidentes Castelo Branco, e Alfredo Stroessner. Comemora-se, 40 anos de sua construção e devemos falar a verdade sobre a prevenção e repressão da delinqüência violenta e a criminalidade organizada na fronteira.

Entre os bens públicos de domínio federal temos os mares (golfos, baías, praias, portos), estradas, ruas, praças, e os lagos e rios como indispensáveis para a defesa nacional das fronteiras.

Quando rios internacionais simultaneamente separam territórios de dois países, como ex.: Rio Guaporé divide o Brasil da Bolívia; o Rio Iguaçu o Brasil da Argentina; e o Rio Paraná entre Brasil e Paraguai. Na cidade de Foz do Iguaçu a Ponte da Amizade, está sobre o Rio Paraná ligando Puerto Stroessner, hoje Ciudad del Leste.

As águas do Rio Paraná são públicas e de uso comum para o Brasil e Paraguai, porque é perene e limita de forma natural os territórios das duas Repúblicas, posto que a navegabilidade dos trechos é compartilhada, o que reforça o conceito de ?res comunes?.

A soberania das leis de um Estado ou o poder de jurisdição de um país termina onde começa o do vizinho, trata-se da relação Estado-território ante a teoria da competência territorial. Aplica-se a lei penal brasileira como paraguaia aos crimes cometido nos respectivos territórios, em respeito ao princípio da territorialidade, ou do lugar do delito, independentemente da nacionalidade do autor do ilícito, seja cidadão nacional ou estrangeiro.

O limite das fronteiras internacionais é definido pela linha mediana do leito do rio, determinada pela equidistância das margens; pode ser estipulada também pela orla do rio, onde todo o curso d?água fica submetido à soberania de um só Estado; e a da linha que acompanha a maior profundidade da corrente (chamada de ?talvegue? ou canal de navegação principal), ponto divisório determinado, algumas vezes à esquerda, outras mais à direita, nunca é fixo, pois oscila de acordo com o canal de navegação determinado pela formação dos bancos de areias.

Nesse sentido, a Diretoria de Portos e Costa da Marinha brasileira, sediada no Rio de Janeiro, tem regido instruções à Capitania dos Portos do Rio Paraná – órgão de execução, em Foz do Iguaçu -, para que siga a linha do ?talvegue?, em base a batimetria – verificação da corrente mais profunda das águas. Quando sob a Ponte da Amizade, o ?talvegue? passa pelo vão central da Ponte, exatamente no seu meio, cuja extensão total mede 552,40 metros. Assim, a ilha Icaraí pertence na sua integralidade ao território brasileiro, como terreno de marinha, vez que o ?talvegue? se encontra mais ao lado da margem paraguaia.

É importante a cooperação internacional na luta contra o crime, que por Tratado ou Convenção o Brasil e o Paraguai se obrigaram a reprimir, em base ao princípio da Justiça universal ou cosmopolita; cito as convenções sobre tráfico de entorpecentes; contra tortura, discriminações, prostituição, e tratados de auxílio judiciário mútuo em matéria penal.

Se as águas de um rio é comum a dois países, este se torna indiviso, cada Estado exerce soberania concorrente sobre ele. O ?ius dominii? brasileiro vai até a margem do território paraguaio e vice-versa; assim as autoridades de policia dos dois países estão autorizadas legalmente para atuarem sobre todo o rio Paraná, e por consequência sobre toda a Ponte Internacional da Amizade, devendo ser respeitado o Código de Conduta para Funcionários Encarregados de Cumprir a Lei, e os Princípios Básicos para o emprego da Força e da Arma de Fogo, instrumentos de Direitos Humanos da ONU, de 1979 e 1990.

A Ata de Iguaçu de 22.6.66; a Declaração Conjunta de 26.04.73, e o Tratado de Amizade e Cooperação entre Brasil e Paraguai, determinam o uso comum do Rio Paraná, ademais da Declaração de Assunção sobre aproveitamento de rios internacionais, de 03.6.71 (IV Reunião de Chanceleres dos paises da Bacia do Prata).

A polícia federal brasileira exerce funções de polícia marítima, aérea e de fronteiras, para apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União, como os delitos de tráfico internacional de drogas, contrabando-descaminho, evasões de divisas, etc. A polícia civil possui atribuições de polícia judiciária estadual, para investigar crimes de receptação, furto e roubo de veículo, assaltos, estelionatos e tantos outros cometidos diariamente na Ponte da Amizade e nas suas imediações. Já a polícia militar possui tarefa de prevenção da criminalidade em geral, por esta razão, sua natureza é ostensiva. São todos órgãos de segurança pública onde através de convênios e da chamada força-tarefa podem atuar conjuntamente, cada qual com suas atribuições legais, sem ferir os limites da denominada zona primária de fronteira.

O Regulamento para o Tráfego Marítimo nacional (Dec. n. 87.648/82, alterado pelo Decreto n. 511, de 27 de abril de 1992), serve como exemplo, pois expressa categoricamente que não compete a Polícia Naval a execução de ações preventivas e repressivas da alçada de outros órgãos, mas pode eventualmente colaborar quando solicitada (parágrafo 1.º do art. 269).

E a legislação pátria quanto às missões do Exercito, é clara. Desde o império a Constituição de 1824, no art. 148 estabelecia competência ao Poder Executivo para empregar a Força Armada de mar e de terra, quando parecer conveniente à segurança interna e externa; nas Cartas Magnas de 1891, 1924 e de 1988, as Forças Armadas destinam-se à manutenção das leis e da ordem externa e interna secundariamente (Lei Complementar n.º 97/99 – art. 15), em nome da incolumidade das pessoas, do patrimônio e interesse da Nação.

O governo do Paraguai colocou em vigência, nesta semana (dia 22/3/05) a Lei de Segurança Fronteiriça, afastando os agentes da Polícia Nacional, determinando a presença das Forças Armadas (Marinha) como responsáveis pelo controle da Ponte da Amizade, para melhor eficiência no combate ao narcotráfico e eliminar a corrupção policial.

Diuturnamente, ?aos olhos de todos?, precárias canoas ou barcos de madeira sem motor, conduzidos a remo, cruzam o Rio Paraná sob a Ponte da Amizade, onde se vê o transporte proibido de caixas e caixas de cigarros, armamentos de grosso calibre e substâncias entorpecentes, especialmente maconha e cocaína.

Mas o controle da delinqüência na fronteira de Foz do Iguaçu não se resume exclusivamente à Ponte da Amizade, o combate ao contrabando e ao descaminho deve ser em toda extensão do Rio Paraná e nos limites lacustres do lago internacional de Itaipu. A criminalidade é praticada nesta região pela geografia natural e artificial marcada pelas dificuldades de fiscalização ante as extensões dos rios Paraná e Iguaçu, e do lago formado pela Usina Binacional de Itaipu, desde a divisa do Estado do Mato Grosso do Sul com a cidade de Guaira-PR, até Foz do Iguaçu, incluindo-se vários municípios lindeiros do Oeste paranaense e municípios do Leste paraguaios.

De outro lado. O problema social e atual do desemprego, onde homens e mulheres, jovens e idosos, neste grande contingente de indivíduos economicamente refugiados e excluídos do processo de trabalho formal, cruzam a Ponte da Amizade em nome da sobrevivência, optam pela informalidade como único meio para se garantir o pão de cada dia. É obvio que existe, em qualquer fronteira do mundo, criminosos atuando, mas também pessoas honestas, muitas vezes são ?laranjas? dos verdadeiros trafi cantes e estes raramente são presos e punidos. Na maravilhosa Terra das Cataratas, também existem trabalhadores de bem e homens de boa vontade.

Com muita responsabilidade devemos buscar alternativas e formas novas capazes de solucionar as questões sociais, econômicos, trabalhistas e tributários para efetivar uma sociedade justa e solidária. Propostas e idéias para os problemas das multinacionais de cigarros instaladas no Brasil, para a proteção a indústria nacional de brinquedos e produtos diversos, bem como no combate a pirataria e aos crimes relacionados aos direitos autorais.

Em nome do princípio da isonomia ante a lei e do tratamento perante os Tribunais, como garantia e respeito à pessoa humana e a cidadania, a Carta das Nações Unidas estabelece que os governos devem praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos; e a Declaração sobre os Direitos Humanos dos Indivíduos que não são Nacionais nos Países que Vivem, adotada pela Assembléia Geral em 1985, precisa ser observada integralmente, o que não ocorre, especialmente nesta região de fronteira.

Se o valor da taxa aduaneira para entrada de mercadorias no Brasil, via Ponte da Amizade, que é hoje de US$ 150,00 (dólares) fosse elevado e algumas regras de tributação reformuladas, diminuiria consideravelmente a corrupção, extorsões, achaques e conivências com o crime organizado. Desta forma com o recolhimento de impostos, muitos cidadãos prefeririam legalizar suas mercadorias, e o programa nacional Fome Zero poderia ser financiado através de um racional e lógico controle aduaneiro-tributário na Ponte da Amizade.

Não nos olvidemos do Tratado de Assunção (1991) e do Protocolo de Ouro Preto(1994) que estruturaram o Mercosul e a intergovernabilidade, se já tivesse sido colocado em prática, se não existissem pressões internacionais, ex. Alca, etc., não se estaria imputando culpa à Ponte da Amizade como causa e origem da criminalidade na região e na cidade de Foz do Iguaçu.

A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados (ONU -1969) expressa que ?Todo Tratado obriga as Partes e deve ser executado por elas de boa-fé? (?pacta sunt servanda?); e ?uma Parte não pode invocar as disposições de seu direito interno como justificativa para o inadimplemento de um Tratato?. A Convenção Americana (OEA) sobre Direitos Humanos, ou o chamado Pacto de San José da Costa Rica (1969), aderido pelo governo brasileiro, no ano de 1992, determina: ?nenhum dispositivo da presente Convenção poderá ser interpretado no sentido de permitir a supressão, excluir ou limitar exercício de direitos e da liberdade?.

Existem excelentes projetos para solução do problema de repressão da criminalidade na fronteira Brasil-Paraguai, destacamos a reestruturação da Ponte da Amizade; a construção da segunda ponte para melhorar as exportações e controlar importações; ainda o desenvolvimento do turismo no Lago de Itaipu através de construções de marinas, clubes de pesca, parques aquáticos, condomínios horizontais, restaurantes, hotéis e pousadas, tudo ecologicamente correto geraria muitos empregos formais.

O trânsito de pessoas que entram e saem do território nacional, é livre, em nome do ius libertatis ou direito de ir e vir, mas a fiscalização é dever legal, é preciso saber quem são as pessoas que entram e saem do Brasil, pois existem mais de 200 mil mandados de prisões expedidos pelo Poder Judiciário, sem cumprimento, onde nacionais e estrangeiros ainda estão sendo procurados pela polícia.

As autoridades públicas municipal, estadual e federal, devem unir forças para combater a criminalidade de maneira eficiente e racional, com competência, sabedoria e conhecimento de causa, sem politicagem. É preciso vontade, só querer e falar não basta, a sociedade não agüenta mais assistir tanto amadorismo ou pura demagogia.

Cândido Furtado Maia Neto é ex-secretário Nacional de Justiça e Segurança Pública do Ministério da Justiça (1989/90). Promotor de Justiça de Foz do Iguaçu. Especialista em Direitos Humanos (Consultor Internacional das Nações Unidas Minugua 1995-96). Autor de várias obras jurídicas dentre elas: ?Código de Direitos Humanos para a Justiça Criminal Brasileira?. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2003.

E-mail:candidomaia@uol.com.br

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