USP revê versão sobre professora desaparecida

A Universidade de São Paulo (USP) deve reverter nos próximos dias uma de suas decisões mais polêmicas e incômodas do período da ditadura: a demissão da professora de química Ana Rosa Kucinski, por abandono de emprego, ocorrida há 40 anos. Amanhã a Congregação do Instituto de Química vai se reunir e analisar um pedido da Comissão da Verdade da USP, para que a decisão seja mudada.

De acordo com a justificativa apresentada no pedido da comissão, a decisão anterior não levou em conta informações que na época já indicavam, de maneira clara, que a professora não abandonara o emprego, mas fora sequestrada por agentes do aparato repressivo da ditadura, no centro de São Paulo, e estava desaparecida.

Se a Congregação cancelar a demissão, o que é dado como quase certo, no dia 22 deve ser inaugurada uma escultura em memória da professora, nos jardins do Instituto de Química. Também está previsto que um representante da diretoria da instituição apresente na ocasião um pedido formal de desculpas à família dela.

Sabe-se hoje, por meio de relatos de militares e policiais civis que integraram o sistema repressivo, que Ana Rosa e o marido, Wilson Silva, ambos militantes da organização clandestina Ação Libertadora Nacional (ALN), foram presos em São Paulo, no dia 22 de abril de 1974, e levados para a Casa da Morte, em Petrópolis, no Estado do Rio. Segundo informações da Comissão Nacional da Verdade, tratava-se de um dos principais centros clandestinos montados pela ditadura para interrogatório e extermínio de opositores.

Os dois nunca mais foram encontrados. Seus nomes figuram em mais de um relato de agentes do Estado que atuaram naquela casa. Um deles, o delegado Claudio Guerra, disse no livro Memórias de uma Guerra Suja que os restos mortais de Ana Rosa e Wilson foram incinerados nos fornos de uma usina de açúcar. Ele também afirmou que o corpo da professora apresentava sinais de tortura, com mordidas pelo corpo, indicando também violência sexual.

Sequestro

A homenagem à professora marca a passagem dos 40 anos do seu desaparecimento. Naquele dia, Ana Rosa deixou o trabalho avisando que iria almoçar com o marido, num restaurante nas imediações da Praça da República. Wilson, que era físico e trabalhava com processamento de dados num escritório na Avenida Paulista, disse a mesma coisa a um colega. Os dois tinham 22 anos. O aniversário dele havia sido comemorado no dia anterior.

As duas famílias tomaram providências para tentar localizá-los desde as primeiras horas do desaparecimento. Denúncias foram feitas no Brasil e no exterior e várias organizações se mobilizaram para obter informações. O cardeal Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo naquela época, levou o caso ao conhecimento do general Golbery do Couto e Silva, que ocupava o cargo de ministro da Casa Civil e articulava o processo que levaria à distensão política.

Terroristas

Pressionado, o governo do presidente Ernesto Geisel reagiu por meio de uma nota oficial, assinada pelo então ministro da Justiça, Armando Falcão. Ele declarou que Ana Rosa e Wilson eram “terroristas” e estavam “foragidos”.

A congregação, órgão máximo do Instituto de Química, se reuniu em outubro de 1975 e, por 13 votos favoráveis e dois em branco, aprovou uma proposta da Reitoria pedindo a dispensa da docente por abandono de função. Foi citada na ocasião, como justificativa, a nota assinada pelo ministro.

Em 1995, o jornalista Bernardo Kucinski, irmão da professora, encaminhou à reitoria da USP um pedido para a retificação da causa da demissão. A instituição, após ouvir sua assessoria jurídica, reconheceu a injustiça. Essa decisão, porém, não agradou à família.

Críticas

Em outubro, durante uma audiência pública da Comissão Estadual da Verdade, realizada na Cidade Universitária para tratar exclusivamente do caso da professora desaparecida, Kucinski explicou seu descontentamento: “A assessoria jurídica da Reitoria teve a ousadia de produzir um parecer, em linguagem jurídica, de quase cem páginas, em que afinal concedia que devia ser anulada a demissão, mas justificava a posição anterior. Ou seja, não há autocrítica, não há reconhecimento da conivência.”

Kucinski, que é professor aposentado da USP, tem criticado de maneira sistemática a congregação e cobrado desculpas à família. Trechos da ata da reunião de 1975 foram transcritos no livro K – Relato de Uma Busca, no qual ele relata, entre a ficção e a realidade, o esforço e o sofrimento do pai à procura da filha desaparecida. Elogiado pela crítica e traduzido para o inglês, o espanhol, o hebraico e o alemão, o livro foi relançado agora no Brasil, por ocasião da passagem dos 50 anos do golpe.

O caso tem sido tratado com bastante atenção pela Comissão da Verdade da USP. De acordo com informações de um dos seus integrantes, Kucinski será convidado para a cerimônia em que a irmã será homenageada, no dia 22. O jornalista disse ao Estado, no entanto, que ainda não recebeu nenhum comunicado sobre a reunião no Instituto de Química nem a respeito da homenagem.

A Assessoria de Imprensa da USP confirmou a reunião da congregação e a homenagem no dia 22. Também informou que a estátua será instalada nos jardins do Instituto de Química nos próximos dias, mas não deu detalhes sobre a obra. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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