Os trabalhadores prestes a se aposentar serão os mais beneficiados pela mudança na regra da Previdência anunciada nesta quinta-feira, 18, pelo governo federal. “Quem está quase se aposentando vai se beneficiar bastante. Já os jovens que ainda estão no mercado de trabalho não pegarão a fase de transição dos 85/95 e, com isso, serão os mais prejudicados”, afirma a advogada previdenciária Marta Gueller, sócia do escritório Gueller, Vidutto e Portanova. A partir de 2022, a pontuação mínima será de 90 pontos para mulher e 100 para homem, ante 85 e 95 atualmente.

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Uma simulação elaborada pela advogada deixa essa vantagem evidente. Uma mulher que tenha começado a contribuir com 22 anos, em 1985, conseguirá se aposentar com 100% da média das contribuições em dezembro de 2016. Já pela regra antiga, com a incidência do fator previdenciário, ela só conseguiria o valor total do benefício seis anos depois.

Um homem nas mesmas condições, por sua vez, vai se aposentar com o montante cheio também em dezembro de 2016, ante setembro de 2019 pelo modelo anterior. Ou seja, com quase três anos de antecedência.

As mudanças reacenderam o debate sobre a sustentabilidade da Previdência para as futuras gerações. O aumento do gasto previdenciário ficou evidente desde a Constituição. Em 1988, o gasto com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) correspondia a 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Hoje, representa 7,4% do PIB, segundo cálculos do economista Fabio Giambiagi. “Qualquer país responsável tomaria medidas para reduzir essa despesa. E o que nós estamos fazendo é deslocar essa despesa para cima”, afirma.

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A possível pressão com aumento dos gastos da Previdência também chega num momento no qual as contas públicas estão no foco das agências de classificação de risco. A seguir, a visão de quatro especialistas acerca da mudança:

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Fabio Giambiagi, economista:

“O Brasil vai gastar mais. A leitura que cabe fazer é a seguinte: ou as pessoas vão esperar um pouco mais para se aposentar por causa do prêmio ou vão continuar sem paciência e se aposentar com (a regra) do fator. A gente já vinha numa trajetória muito preocupante do INSS crescendo como fração do PIB e, com essa medida, essa curva vai se deslocar para cima. Ou seja, o Brasil, em termos de perspectiva futura, ficou claramente pior. Qualquer país responsável tomaria medidas para reduzir essa despesa. Nós continuamos dando demonstrações de irresponsabilidade coletiva para o resto do mundo. É uma tragédia grega no duplo sentido da palavra. No sentido tradicional e no sentido associado ao que está ocorrendo com a economia grega. O Brasil não é a Grécia, mas estamos nos esforçando muito para parecer. Não sou imune ao cenário político. Entendo perfeitamente as condições nas quais o governo opera, mas nós próximos anos essa conta vai ficar mais salgada até que as mesmas pessoas que aprovaram isso se deem conta de que não dá mais. E aí, quando a ficha cair, a saída vai ser adotar uma idade mínima. Mas tem de haver um ambiente de cooperação e de responsabilidade.”

Gustavo Inácio de Moraes, professor da PUC-RS:

“É uma regra bastante complicada, que vai obrigar o brasileiro a trabalhar mais. Pela lei anterior, muitos beneficiários acabavam se aposentando antes da idade mínima obrigatória. Agora, ficou ainda mais desvantajoso para quem for se aposentar. Já pela ótica das contas públicas, não diminui as despesas, mas pode trazer alguma melhora para as contribuições, pelo fato de desestimular a aposentadoria antes da idade mínima. É um modelo que persegue o equilíbrio atuarial, porque divide a conta entre idade e tempo de contribuição, dando mais ênfase para a contribuição. Não significa que vai eliminar o déficit da Previdência Social, mas, quando chegar na fórmula 90/100, em 2022, o governo deve conseguir congelar esse déficit – que hoje é crescente. Para o governo, foi um grande momento, tanto pelo lado político quanto pelo econômico. O primeiro porque tira força do termo fator previdenciário, que sofria muita rejeição pública. E o segundo pelo fato de perseguir maior equilíbrio atuarial, levando em conta o envelhecimento da população. Mas esse impacto ainda depende da forma como os sindicatos vão receber a proposta.”

Marta Gueller, sócia do escritório Gueller, Vidutto e Portanova:

“A Previdência não deveria ter uma única regra para todas as unidades da federação. Em São Paulo, por exemplo, vive-se mais do que em alguns locais do Nordeste. As condições de saneamento básico, educação e saúde são muito distintas. Para se ter uma ideia, ainda combatemos o trabalho infantil. Logo, isso deveria ser levado em conta na hora de o governo conceder o benefício. Com a nova regra, o brasileiro terá de trabalhar mais para se aposentar, e alguns talvez nem consigam e morram antes. Os jovens, que ainda estão no mercado de trabalho, serão os mais prejudicados, pois só irão se aposentar depois de 2022. Nesse cenário de crise econômica, também é possível que parte dos segurados decida se aposentar antes da pontuação mínima, mesmo com a incidência do fator previdenciário. Quem não conseguir recolocação no mercado de trabalho poderá ir por esse caminho. Já do ponto de vista das contas da Previdência, o déficit não é transparente. Desde a década de 1980, o Congresso prorroga a Desvinculação das Receitas da União (DRU), que desvincula 20% das receitas da Seguridade Social para o pagamento de outras despesas, como os juros da dívida interna. Então, não adianta criar uma nova lei e continuar tirando esses 20%.”

Paulo Tafner, economista e pesquisador do Ipea:

“O primeiro caso (aprovado pelo Congresso) era um retrocesso monumental, agora é um retrocesso ‘monumentinho’. O aumento da despesa vai ser gigantesco por uma razão simples: o fator previdenciário é um elemento de justiça. Ele faz com que quem se aposenta muito cedo tenha um redutor do valor do seu benefício simplesmente porque vai receber antes o benefício. E veja só: quem são os trabalhadores que se aposentam mais cedo? Essa é a pergunta que tem de ser feita. Quem se aposenta mais cedo é a elite dos trabalhadores, porque o profissional desqualificado não se aposenta por tempo de contribuição. Ora esse profissional está desempregado ora está na informalidade. É lamentável que o Congresso tenha feito (essa mudança) e que a presidente, ao vetar, tenha elaborado uma proposta apenas ligeiramente melhor. Com o fator 85/95, em 2050, o gasto previdenciário seria 33% maior do que o previsto com o uso do fator previdenciário. Com a nova proposta, vai ser 30%. Se estou fazendo essa conta, as agências de rating também estão. E isso significa dizer que, se o gasto do governo vai aumentar, a sustentabilidade fiscal do País está pior. Essa brincadeira fez aumentar o risco Brasil.” Colaborou Anna Carolina Papp. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.