O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, aproveitou a sessão plenária desta quinta-feira, 17, para avisar que o julgamento sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância não “se refere a nenhuma situação particular”. Dentro do STF, o comentário de Toffoli foi interpretado como uma forma de afastar as especulações de que o julgamento pode beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), preso e condenado no âmbito da Operação Lava Jato.
“Que fique bem claro que as presentes ações e o presente julgamento não se referem a nenhuma situação particular. Estamos diante de ações abstratas de controle de constitucionalidade. O objetivo é, dada a provocação que vem – pois o Judiciário não age de maneira próprio, de ofício – dar o alcance efetivo e a interpretação a uma das garantias individuais previstas na nossa Constituição Federal. Esse entendimento se estenderá a todos os cidadãos brasileiros sujeitos à sua eventual aplicação, sem distinção”, disse Toffoli, no início da sessão.
“Gostaria de inicialmente de destacar que se trata de julgamento que versa sobre o alcance do princípio da presunção de inocência, previsto em nossa Constituição Federal. As ações ora submetidas a julgamento conjunto definirão o alcance dessa norma constitucional e o entendimento que daqui emanará, independentemente no sentido da sua conclusão, servirá de norte para a atuação de todos os magistrados do País e todo o sistema de justiça.”
De acordo com Toffoli, a defesa da Constituição é o “que tem norteado a atuação republicana deste Supremo Tribunal Federal ao longo de sua história”. “E hoje, e nas próximas sessões, não será diferente.”
PGR
Conforme antecipou o Estadão/Broadcast, a Procuradoria-Geral da República (PGR) alertou os ministros do Supremo que derrubar a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância representaria um “triplo retrocesso”, atingindo inclusive a credibilidade depositada pela sociedade brasileira no STF.
Segundo a PGR, seria um retrocesso para o sistema de precedentes do sistema jurídico, que perderia “em estabilidade e segurança jurídica e teria sua seriedade posta em xeque”; “para a persecução penal no País, que voltaria ao cenário do passado e teria sua efetividade ameaçada por processos infindáveis”, recursos protelatórios e “penas massivamente prescritas”; e “para a própria credibilidade da sociedade na Justiça e nessa Suprema Corte, como resultado da restauração da sensação de impunidade”.
O tema deve mais uma vez rachar o plenário do Supremo, opondo de um lado o grupo dos legalistas – que defendem uma resposta rápida da Justiça no combate à corrupção – e, de outro, os garantistas – chamados assim por destacar o princípio constitucional da presunção de inocência e os direitos fundamentais dos presos.
Revisão
A expectativa dentro do STF é a de que a atual posição do Supremo (que permite a prisão após condenação em segunda instância) seja revista. A dúvida é saber se prevaleceria o entendimento de que pessoas condenadas pela Justiça podem aguardar em liberdade até o esgotamento de todos os recursos (o “trânsito em julgado”, em juridiquês) ou até uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funciona como uma espécie de terceira instância.
A tese do STJ foi defendida em pelo menos duas ocasiões distintas pelo próprio Toffoli. O ministro Gilmar Mendes, que votou nesse sentido ao analisar um habeas corpus de Lula em abril do ano passado, já avisou que vai mudar de lado e migrar para a corrente “garantista”, pelo trânsito em julgado.
Impacto
Além de Lula, cerca de 4,8 mil presos podem ser beneficiados com uma mudança de entendimento do Supremo sobre o tema, de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). De 2016 para cá, o STF já entendeu em quatro julgamentos que é possível a prisão após condenação em segunda instância – a última delas foi na análise de um habeas corpus do petista, que acabou negado pelo apertado placar de 6 a 5. Faltava, no entanto, o julgamento de mérito das três ações, formando o entendimento que deve ser aplicado para todas as instâncias judiciais do País.
A execução antecipada de pena era permitida até 2009, quando o STF mudou de jurisprudência para admitir a prisão apenas depois do esgotamento de todos os recursos (o “trânsito em julgado”). Em 2016, a Corte voltou a admitir a medida, considerada fundamental por procuradores e juízes na punição de criminosos do colarinho branco.
A sessão desta quinta-feira será dominada por sustentações orais da Procuradoria-Geral da República, Advocacia-Geral da União (AGU), de entidades e dos autores das três ações que pretendem barrar a execução antecipada de pena – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Patriota e o PCdoB.
O voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello, só deve ser lido na próxima quarta-feira, em sessão extraordinária convocada para o período da manhã. Depois dele, se posicionarão os outros 10 integrantes da Corte, em uma discussão que deve se estender por ao menos três sessões plenárias.