O Tribunal de Justiça de São Paulo deve julgar nesta terça o recurso do coronel da reserva Carlos Brilhante Ustra contra a sentença na qual foi reconhecido como torturador de presos políticos. A sentença inicial, proferida em 8 de outubro de 2008, na 23.ª Vara Civil do Fórum João Mendes, foi uma decisão inédita. O julgamento de terça-feira põe mais combustível na polêmica sobre a possibilidade de responsabilização de agentes de Estado acusados de violações de direitos humanos durante o regime militar.
Se a corte confirmar a decisão de primeira instância, Ustra ficará mais exposto às ações que o Ministério Público Federal (MPF) tem movido com o intuito de processar militares e policiais acusados de crimes de tortura, sequestro e ocultação de cadáveres. Por outro lado, ele pode recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF), que, em abril de 2010, validou a interpretação de que a Lei da Anistia de 1979 teve mão dupla: teria beneficiado tanto as vítimas de crimes cometidos na ditadura quanto os acusados cometê-los.
A ação cujo recurso será julgado nesta terça é movida pela família Teles e envolve o período em que o coronel comandou o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) do 2.º Exército, de 1970 a 1974. A sessão deve iniciar às 13h30, na sede do tribunal. Ontem, segunda-feira, na internet, ex-presos políticos e familiares de mortos e desaparecidos promoveram uma espécie de convocação para um ato público no loca, no horário do julgamento.
César Teles, a mulher, Maria Amélia, e a irmã dela, Crimeia, estiveram presos no DOI-Codi durante 11 meses, em 1973. Em seu relato na Justiça declararam que foram torturados em diversas ocasiões.
Maria Amélia contou ao juiz Gustavo Santini Teodoro que seus filhos, Janaína, de 5 anos, e Edson, de 4, foram mantidos na cela com os pais durante quase dez dias. Janaína, que hoje é historiadora, relatou que até hoje lembra os gritos e a escuridão do lugar quando a levaram para ver a mãe, machucada e ensanguentada, na cadeira do dragão, instrumento de tortura com assento, apoio de braços e espaldar de metal onde o prisioneiro era amarrado nu, com o corpo molhado, e submetido a choques elétricos.
Casos
Em todos os documentos já produzidos no País sobre torturas a prisioneiros políticos, o DOI-Codi de São Paulo sempre aparece com destaque. No livro Brasil Nunca Mais, patrocinado por igrejas cristãs do Brasil e do exterior, no final dos anos 70, foram relacionados 502 casos de tortura no período em que Ustra comandou a instituição.
O coronel – que, segundo ex-presos políticos, usava o codinome major Tibiriçá – nega participação em qualquer caso e já foi absolvido em outra ação. Seu advogado, Paulo Alves Esteves, vai recorrer à Leia da Anistia. “O STF já disse que essa lei está em vigor. Respeitamos ou não a suprema corte do País?”
A defesa também vai insistir na tese da prescrição dos crimes e na falta de sustentação legal para a acusação. “Existem sustentações contrárias, que falam na imprescritibilidade dos fatos que estão sendo debatidos, mas a legislação em vigor diz que o fato penal só existe com lei anterior que o defina. Essas definições vieram muito depois de os fatos serem cometidos.”
Ao lado da família Teles atuam os advogados Aníbal Castro de Souza e Fábio Konder Comparato. O relator do caso é o desembargador Rui Cascaldi. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.