A bandalheira nos gastos públicos brasileiros provoca situações absurdas quase que diariamente. Um exemplo disso é uma verba chamada de “ajuda de custo” dada a suplentes de parlamentares no início e no fim de de seus mandatos. Em alguns casos, em 2017, deputados federais e senadores chegaram a receber R$ 67,5 mil por apenas uma semana de trabalho.
Esse valor corresponde a aproximadamente 70 salários mínimos se for considerado o piso nacional, que é de R$ 954 por mês. Trocando em miúdos, o trabalhador comum que recebe o mínimo teria que trabalhar 5 anos e 8 meses para receber a mesma quantia que um suplente de deputado recebeu por apenas uma semana de trabalho.
Isso aconteceu com Wirlande da Luz (MDB-RR). Em maio de 2016 o senador Romero Jucá (MDB-RR) se afastou do mandato para assumir o comando do Ministério do Planejamento. Em seu lugar, assumiu Wirlande. Uma semana depois, após a divulgação de gravações feitas pelo ex-presidente da Transpetro, Sergio Machado, que colocaram Jucá no centro de um escândalo, e ele renunciou ao cargo de ministro e reocupou sua vaga no Senado. A troca aconteceu em seis dias e o suplente recebeu R$ 67.526,00.
Na atual legislatura, que começou em 2015, a Câmara e o Senado gastaram em torno de R$ 3 milhões com esse tipo de despesa. Segundo as normas legislativas, a ajuda, equivalente a um salário integral do congressista (atualmente no valor de R$ 33,7 mil), deve ser “destinada a compensar as despesas com mudança e transporte” dos parlamentares, independentemente do tempo de duração do mandato. Pela regra, um suplente só deve ser convocado se a previsão de afastamento do titular for superior a quatro meses.
Nos últimos três anos, foram 70 mudanças na Câmara, que gastou pelo menos R$ 2,2 milhões com as trocas, e outras 19 no Senado, ao custo de mais de R$ 944,4 mil. Além disso, ao assumir o cargo, os suplentes passam a ter direito a outros benefícios, como ressarcimento de despesas médicas e odontológicas, auxílio-moradia e verba indenizatória.
Brevidade
Outro caso é o do suplente Gilberto Piselo (PDT-RO), que também sentou na cadeira de senador por apenas seis dias. Ele entrou na vaga de Acir Gurgacz (PDT-RO), em 2016, e em seguida também pediu licença para resolver assuntos particulares. Na breve passagem pelo Senado, fez dois discursos, mas não teve tempo para tirar a foto oficial como parlamentar. Mesmo assim recebeu R$ 33.763 pelo período em que ficou no cargo e mais R$ 10.128 como salário proporcional.
Além disso, Piselo recebe, por meio da cota parlamentar, de R$ 5 mil a R$ 6 mil por mês de Gurgacz, há sete anos, pela locação de uma sala comercial em Rondônia, onde funciona o escritório de apoio do atual senador. No total, Gurgacz já repassou mais de R$ 500 mil para seu suplente com dinheiro do Senado desde 2010.
Procurada, a assessoria de imprensa de Gurgacz afirmou que o contrato do aluguel do imóvel que funciona como escritório de apoio do parlamentar em Ji-Paraná (RO) foi firmado em 2010, no primeiro mandato do senador, quando Piselo não era o suplente. “Portanto, não há nenhuma irregularidade, nem ilegalidade no contrato”, diz a nota.
Contracheque
Após o pedido de licença de Piselo, em 2016, assumiu a vaga o segundo suplente da chapa de Gurgacz, pastor Sebastião Valadares (PDT-RO), ligado à Igreja Assembleia de Deus. No mesmo mês, o pastor também recebeu mais de R$ 33 mil apenas para iniciar o mandato, além do salário proporcional de senador pelos dias em que trabalhou (R$ 22.508). Depois de permanecer os quatro meses na vaga, tempo mínimo para as licenças particulares, ele deixou o cargo para que Gurgacz reassumisse e recebeu outro salário extra como ajuda de custo.
Procurados, Wirlande da Luz, Gilberto Piselo e pastor Valadares não foram encontrados até a última Sexta-feira.
Recesso
Quando parlamentares pedem licença às vésperas do recesso, entre dezembro e fevereiro, os suplentes assumem o mandato em época em que a atividade no Congresso é parca – ou inexistente -, mas ganham o direito à ajuda de custo no início e no fim do mandato.
No final do ano passado, três senadores pediram licença para tratar de interesses pessoais ou cuidar da saúde: Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) e Ricardo Ferraço (PSDB-ES), em novembro, e Edison Lobão (MDB-MA), em dezembro. Os pedidos precisam ser aprovados pelo plenário da Casa.
A assessoria de imprensa de Valaderes informou que ele tirou 90 dias para tratamento de saúde e outros 30 dias para tratar de assuntos particulares. O caso de Lobão é semelhante: ele apresentou atestado médico para se licenciar entre dezembro e março, mas estendeu o afastamento por mais um mês.
Já Ferraço pediu a licença por discordar da decisão do Senado de devolver o mandato ao senador Aécio Neves (MG). Seu suplente, no entanto, não recebeu a ajuda de custo no início do mandato.
Extinção
Em 2015, o senador José Reguffe (PDT-DF) apresentou projeto para extinguir a ajuda de custo paga aos integrantes do Legislativo no início e no final do mandato parlamentar. Ele alega que esse auxílio não se justifica, já que deputados e senadores têm direito a apartamento funcional e passagens aéreas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.