Luiz Inácio Lula da Silva, empossado ontem, poderá ser o último presidente da República reeleito para o cargo em um período subseqüente ao do primeiro mandato. Na Câmara, tramitam quatro propostas de emenda à Constituição (PECs) com o objetivo de acabar com a reeleição para presidente, governadores e prefeitos. No Senado, há três textos semelhantes prontos para votação em plenário. Algumas dessas propostas também aumentam o período de mandato dos chefes do Executivo de quatro para cinco anos.
A reeleição passou a ser permitida depois que uma emenda constitucional foi aprovada e promulgada em 1997. No ano seguinte, o presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi reeleito.
Um levantamento feito pela consultora Manuella da Silva Nonô, da Consultoria Legislativa da Câmara, demonstra que, em 1998, 21 governadores (de 27) tentaram a reeleição e 14 conseguiram (66,6%). Em 2002, 14 lançaram candidaturas e 10 (71,4%) deles prolongaram seus mandatos. No ano passado, 19 se candidataram à reeleição e 14 (73,7%) venceram a disputa.
No caso das prefeituras, 23 prefeitos de capitais (entre 26, uma vez que Brasília não elege prefeito) tentaram um segundo mandato em 2000, e 16 (69,5%) seguiram no poder. Em 2004, dos 11 prefeitos concorrentes a mais quatro anos de mandato, oito obtiveram êxito (72,7% do total).
PECs em tramitação
Entre os textos que estão na Câmara, o mais recente é a PEC 520/06, do deputado Renildo Calheiros (PCdoB-PE). Essa proposta se restringe ao fim da reeleição, que, segundo o deputado, ?é um desserviço à democracia brasileira, pois impede a dinâmica do processo político e inibe a renovação?. De acordo com Renildo, a proposta deverá ser votada no primeiro semestre do ano que vem, no âmbito das discussões em torno da reforma política.
Ele considera que a experiência brasileira já comprovou pelo menos dois problemas recorrentes nas reeleições de mandatos do Executivo. O primeiro seria o ?desvio de foco? verificado a partir do terceiro ano de governo, do ?plano político-administrativo para o eixo político-eleitoral?. O deputado pernambucano também acusa o exercício do segundo mandato de provocar um ?desgaste prematuro?, nocivo à democracia representativa.
Outro deputado que apresentou proposta para acabar com a reeleição foi Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), autor da PEC 249/04. Na avaliação dele, o índice de candidatos que conseguem se reeleger ?deixa claro que o eleitorado fica muito preso ao titular do cargo?, e ?as eleições ainda são muito conduzidas com forte participação do poder público na influência sobre o voto?.
Formas de controle
O cientista político João Augusto de Castro Neves, do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (Ibep), vê uma dose de casuísmo na discussão do tema. Ele admite que os candidatos que disputam a reeleição têm vantagem sobre os demais, mas considera que há outros modos de controlar abusos econômicos sem acabar com a possibilidade de reeleição.
?A desincompatibilização do cargo e o aumento no rigor da fiscalização seriam mais interessantes, porque a reeleição ainda não foi devidamente testada no Brasil?, declara. De acordo com Neves, alguns partidos usam a ?bandeira do fim da reeleição? para amenizar as disputas internas, pois um pré-candidato derrotado nas prévias partidárias não precisaria esperar oito anos para almejar o cargo novamente.
Paulo Kramer, professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), concorda com a hipótese de acomodação partidária, defende a reeleição com desincompatibilização e percebe um dado cultural nos problemas relacionados aos eventuais abusos cometidos nas disputas. ?No nosso sistema, o grupo que chega ao poder se sente como se fosse o proprietário dos recursos políticos, e é isso que leva aos abusos. O poder se sente, em grande medida, inatingível pelas punições da lei?, afirma.