Nos 100 primeiros dias desde que voltou ao comando do Senado, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), adota um discurso da moralização e transparência dos gastos públicos. Mas as medidas tomadas por Renan, até o momento, não tocaram em um ponto que pode ser considerado uma verdadeira caixa-preta do Senado: a concessão de licenças médicas. Entre 2011 e 2012, servidores efetivos e funcionários comissionados do Senado tiraram 87,5 mil dias de licenças.
Os dados inéditos, obtidos pelo Estado por meio da Lei de Acesso à Informação, apontam que, desde o início da atual legislatura, cada trabalhador da Casa afastou-se por motivo de saúde em média por 14 dias. O Senado não forneceu à reportagem os dados dos quatro primeiros meses de 2013 – Renan assumiu em fevereiro, depois de suceder José Sarney (PMDB-AP).
O levantamento revela que a imensa maioria das licenças em 2011 e 2012 foi tirada por servidores efetivos – que ingressaram por concurso público ou foram incorporados ao quadro por estarem na Casa antes de 1988, ano da promulgação da Constituição. De cada dez dias de licença, praticamente nove foram desses servidores. Os chamados efetivos são uma “população” bem remunerada, onde um garçom, por exemplo, pode ganhar salário de até R$ 17 mil.
No período, os efetivos tiraram 78,4 mil dias de licenças. Considerando o salário médio desses servidores em abril – de R$ 19 mil, segundo a folha de pagamento que consta no Portal da Transparência da Casa -, o Senado gastou no período cerca de R$ 50 milhões por dias não trabalhados por seus servidores efetivos nos últimos dois anos. Os servidores comissionados do Senado, por sua vez, tiraram 9,1 mil dias de licença.
Distorções. Proporcionalmente, a diferença é gritante. Os 3,1 mil efetivos ficaram afastados por 25 dias de trabalho em média no biênio, enquanto aqueles nomeados livremente pelos senadores ou pela administração da Casa, menos de três dias entre 2011 e 2012.
Hoje, o Senado tem praticamente a mesma proporção entre servidores efetivos e comissionados licenciados – são apenas 59 comissionados a mais que os efetivos, o que, na prática, evidencia critérios de concessão de licenças desiguais.
Todo trabalhador do Senado pode se afastar por até 15 dias sem prejuízos salariais, desde que apresente um atestado médico – a mesma regra geral da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A diferença é que todo trabalhador que ultrapassa esse período de licença passa a receber pelo INSS. No Senado a regra é distinta. Os efetivos continuam recebendo seus salários normalmente mesmo após esse período de 15 dias, tendo que passar por uma avaliação médica. Esse médico pode ser ou não da Casa. Só se a licença ultrapassa 120 dias é que o caso é analisado por uma junta médica, mas não há regra sobre suspensão do salário.
No caso dos comissionados, o rigor é maior. Acima do período de 15 dias, ficam sujeitos às regras dos contratados pelo Regime Geral da Previdência, fazendo jus ao auxílio-doença do INSS – benefício bem inferior ao salário.
Espanto geral. Confrontados com os números, senadores se espantaram com o volume de licenças concedidas. Ao considerarem as licenças muito alta para a quantidade de trabalhadores da Casa, os parlamentares defenderam uma auditoria na concessão de afastamentos. “A menos que o Senado seja um paraíso de doentes, é no mínimo um exagero inominável. Acho uma fraude repetida. O Senado não é hospital”, disse o senador Alvaro Dias (PSDB-PR).
Funcionários da Casa, que conversaram com o Estado sob a condição do anonimato por temer represálias, relataram que os comissionados, além de não quererem entrar na regra do auxílio-doença, também admitem reservadamente o receio de perder o emprego e, por isso, freiam os pedidos de licenças.
Um mês de trabalho. O Estado apurou um caso de licença médica que chama a atenção. Um servidor emendou licença médica de 120 dias atrás de outra entre outubro de 2010 e março de 2012. O período máximo que o servidor, lotado como técnico legislativo, trabalhou foi de outubro a novembro de 2011. Ele se aposentou voluntariamente em junho de 2012, com salário de R$ 16 mil, sem indicar que a aposentadoria ocorreu por problema de saúde.
Entre os anos de 2011 e 2012, o Senado apresentou uma redução de 1,1% no número de licenças tiradas por servidores e comissionados. De 44.024 afastamentos dois anos atrás, as licenças caíram para 43.525 no ano passado – uma redução de 499 dias no período.
O Senado diz não ter realizado estudos para identificar as causas do excesso e discrepância entre as licenças. “Diversos são os fatores que podem influenciar no número de licenças como, a elevada faixa etária dos servidores efetivos, maior rotatividade de comissionados, dentre outras”, diz trecho de nota enviada ao Estado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.