A decisão de Sergio Moro de mostrar prints de mensagens de WhatsApp trocadas com o presidente Jair Bolsonaro e com a deputada federal Carla Zambelli (PSL), divulgados no Jornal Nacional na sexta-feira (24), não pode ser enquadrada como crime. O Supremo Tribunal Federal (STF) já pacificou a discussão sobre o assunto, deixando claro que qualquer participante de uma conversa – seja por telefone, e-mail, rede social ou pessoalmente – tem direito de tornar pública a troca de mensagens, principalmente se for em uma situação de defesa, sem que isso seja considerado uma afronta à privacidade.

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Para explicar melhor a situação, a Gazeta do Povo consultou Elias Mattar Assad, advogado criminalista e presidente da Abracrim (Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas). Ele destacou que a divulgação dos prints por participantes da conversa, além de não ser crime, tem um fator a mais que a justifica: o interesse público. “Pessoas em cargos públicos são mais expostas, porque há uma expectativa com relação a como se comportam. É preciso redobrar a atenção e manter o decoro. Mesmo em conversas informais, não se pode esperar que falem nada que não pudesse ser dito abertamente. No caso, são figuras públicas conversando sobre algo que interessa à sociedade”, destaca.

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O advogado ainda lembra que a Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu inquérito para investigar se houve crime durante a negociação para a troca do comando da Polícia Federal. Augusto Aras solicitou que Moro comprovasse o que mencionou em seu pronunciamento, quando anunciou a demissão do Ministério da Justiça. Em tese, as provas deveriam ser entregues ao processo, mas o ex-juiz decidiu também apresentá-las ao público, por meio do Jornal Nacional, como forma de referendar o que tinha dito e também se defender das acusações feitas por Bolsonaro em pronunciamento horas antes. Moro poderia também ter divulgado as conversas em suas redes sociais. Assad ainda reforça que o inquérito aberto pela PGR não é contra Bolsonaro ou Moro, mas para apurar os fatos, podendo resultar em complicações para um ou para ambos os lados.

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Eventualmente, pode ser considerado antiético quando, numa conversa, alguém destaca que vai confidenciar algo e pede expressamente que esse conteúdo não seja divulgado. Mas ainda assim não seria crime se a outra parte, por algum motivo justificado, torna-se pública a troca de mensagens. Também é uma decisão um pouco mais complexa quando envolve a conversa de advogados e clientes ou de jornalistas e fontes. Ambas são invioláveis e protegidas por lei, mas eventualmente podem ser expostas, por decisão de um ou mais dos participantes, e não de um terceiro, quando envolver um bem maior, como uma questão de segurança, por exemplo.

Outros casos

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A situação envolvendo a divulgação feita pelo próprio Moro das conversas que teve com autoridades não pode ser comparada com a chamada Vaza Jato, quando veio a público em 2019 que hackers teriam conseguido acessar a troca de mensagens de integrantes da força-tarefa da Lava Jato com autoridades, jornalistas e outros envolvidos. Ainda que haja uma discussão sobre o interesse público do conteúdo, houve a violação da privacidade, com alguém não participante da conversa divulgando o conteúdo.

Também se enquadra em uma situação diferente quando a publicação de uma conversa é editada, de forma a tirar as coisas de contexto e estimular uma interpretação equivocada, ou quando é alterada propositalmente, modificando o que foi escrito. É importante destacar ainda que há diferença entre abrir o telefone e mostrar uma conversa, que teoricamente não poderia ser alterada e ainda comprovando de qual telefone partiu, e mostrar um print, que pode ser alterado por edição ou mesmo porque a pessoa salvou com um nome o contato de outro interlocutor. No caso de Moro, as partes não negaram o conteúdo das mensagens.

Ainda que não seja crime, a divulgação de uma conversa pessoal, mesmo que por um dos participantes, ainda pode resultar em ação cível por danos morais, quando a pessoa exposta consegue provar que houve má fé ou que a publicação efetivamente foi prejudicial. É o caso, por exemplo, do que Neymar fez ao divulgar as conversas que teve uma modelo que o acusava de estupro. Ele o fez para se defender, e como era um dos participantes, tem direito garantido a isso. Mas ao mostrar o conteúdo, também expôs fotos íntimas da mulher, sujeito a processo por danos morais.