Sem articulação ou votos suficientes no Congresso, partidos de oposição ao presidente Jair Bolsonaro elegeram o Supremo Tribunal Federal como campo para atuar contra medidas tomadas pelo governo federal.
Levantamento feito pelo jornal O Estado de São Paulo aponta que nos nove primeiros meses deste ano o STF já recebeu 45 pedidos de derrubada de algum tipo iniciativa determinada pelo Palácio do Planalto. O número supera com folga as contestações apresentadas, no mesmo período, contra os antecessores de Bolsonaro desde a primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva.
O levantamento foi feito com dados do Supremo e abrange ações julgadas, arquivadas e ainda em tramitação desde 2003. Este ano, foram 29 ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) e 16 arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs), instrumentos jurídicos usados para contestar leis e atos normativos (mais informações nesta página).
A maioria delas (27) tem a assinatura de partidos políticos, mas há também iniciativas de entidades de classe (12) e da Procuradoria-Geral da República (6). Entre os partidos, o destaque fica para a Rede. Com apenas uma deputada eleita em 2018 e três senadores, a sigla protocolou sozinha 11 ações, como a que questionou a transferência da gestão de demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura e a competência da Secretaria de Governo para supervisionar ONGs.
“Quem não tem cão, caça com gato”, resume o cientista político Cláudio Couto, da FGV, sobre a estratégia de “judicializar” a oposição ao governo. “A oposição toma isso como principal estratégia”. Couto vê ainda um segundo motivo para os números de contestações no Supremo: o alto grau de polarização política no País, que não deu trégua desde a campanha eleitoral do ano passado. “É um governo de posições mais radicais e isso acaba produzindo uma judicialização, é a consequência natural”, afirmou.
‘Quem não tem voto, judicializa’, diz líder do governo no Senado
Para o também cientista político Kleber Carrilho, da USP, a judicialização se transformou em uma opção “racional” para a oposição no Congresso. “Quem não tem voto, judicializa”, resumiu o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Com dificuldades de construir uma base de apoio no Congresso, Bolsonaro tem recorrido, em grande parte, à edição de decretos e medidas provisórias para colocar em prática os seus projetos – principais alvos de quem recorre aos ministros do Supremo.
Entre os decretos baixados pelo governo e contestados na Corte estão o que flexibilizou o acesso a armas de fogo e o que promoveu cortes no orçamento de institutos de pesquisas e universidades federais. No caso das medidas provisórias, uma das ações pede a derrubada da reestruturação da administração federal, que englobou a extinção de ministérios (como o do Trabalho) e a criação de superpastas, como a da Economia.
Apesar do alto número de contestações, o Supremo tem mantido uma postura cautelosa no julgamento das ações e foram poucas, até agora, as consideradas inconstitucionais.
Barroso derrubou MP que transferia Funai para Agricultura
Em junho passado, decisão do ministro Luís Roberto Barroso derrubou a MP que transferia da Funai para o Ministério da Agricultura a atribuição de demarcar terras indígenas. O tribunal também barrou a tentativa do governo Bolsonaro de extinguir todos os conselhos federais. As demais ações ainda não foram julgadas.
Além das ações propostas pela oposição, o governo Bolsonaro ainda enfrenta ações propostas pela PGR. Na semana passada, no último dia antes de deixar o cargo, a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apelou ao Supremo para pedir a revisão do decreto das armas, uma das principais bandeiras de Bolsonaro. Também contestou o projeto Escola Sem Partido e mudanças nos conselhos nacionais do meio ambiente (Conama) e dos direitos da criança e do adolescente (Conanda), determinadas pelo governo federal.
A Advocacia-Geral da União (AGU), responsável por defender o governo, afirmou que o questionamento judicial de políticas públicas é “consequência do estado democrático de direito”. “Nesse sentido, a AGU vem desempenhando seu papel institucional nessas ações, defendendo as políticas públicas perante quaisquer instâncias do Poder Judiciário nacional”, diz o órgão.
‘Não basta lacrar na internet’, diz Randolfe
Líder da Rede no Senado, Randolfe Rodrigues (AP) afirmou ter montado uma assessoria jurídica para monitorar e preparar ações em resposta ao que chama de “excessos” do governo Bolsonaro. “Mais do que ficar berrando no plenário, precisamos de ações concretas e, por isso, recorremos ao Judiciário. Não adiantar ficar ‘lacrando’ na internet.”
Randolfe critica a forma de atuação de parte da oposição ao Planalto no Congresso, segundo ele focada em “palavras de ordem”. “Se a oposição não baixar as vaidades, não daremos as respostas certas para o momento.”
O cientista político Kleber Carrilho, da USP, vê na “falta de unidade discursiva” uma dificuldade para a articulação dos partidos que fazem oposição ao governo Bolsonaro. “Não houve ainda uma unificação de discurso (da oposição). O ‘Lula Livre’ é uma bandeira do PT, não dos outros. E isso acaba sendo um problema para afinar o discurso e desenvolver um planejamento”, afirmou.
O senador petista Humberto Costa (PE) rebate as críticas. “O ‘Lula Livre’ é uma pauta não só do PT, mas de muitos setores da nossa sociedade”, disse. “Temos uma série de outras causas que defendemos ao lado das oposições.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.