A transferência direta de R$ 649 milhões para Estados e municípios, por meio de emendas parlamentares, acendeu o sinal amarelo no Tribunal de Contas da União (TCU). O receio é que o Congresso passe um “cheque em branco” para prefeitos e governadores neste ano eleitoral. A preocupação tem motivo: pela primeira vez, a União vai destinar recursos apontados por deputados e senadores sem haver uma norma clara de como esse dinheiro será fiscalizado.

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Emendas são indicações de como o governo deve gastar parte do dinheiro do Orçamento e sempre serviram como instrumento de barganha entre Executivo e Legislativo. Incluem desde obras de infraestrutura, como a construção de uma ponte, por exemplo, até valores para programas de saúde e educação. Até o ano passado essas transferências precisavam ser intermediadas por um ministério relacionado – dinheiro para construir uma creche, por exemplo, dependia de liberação do Ministério da Educação.

No fim de 2019, porém, o Congresso criou uma exceção e aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que autoriza deputados e senadores a destinar uma parte dos recursos de suas emendas diretamente para os cofres de prefeituras e governos estaduais sem passar pelo “filtro” dos ministérios.

Com essa estratégia, o dinheiro chega mais rápido e pode ser aplicado, por exemplo, em obras prometidas por prefeitos que buscarão a reeleição neste ano. Do total de R$ 649 milhões, 60% – ou R$ 389,4 milhões – devem ser transferidos ainda no primeiro semestre, antes das disputas municipais de outubro.

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Os repasses vão pular etapas necessárias para outros tipos de emendas, como verificação técnica de contratos entre prefeitura e governo federal e prestação de contas para o TCU e a Caixa. Na ausência do “carimbo”, a única exigência é que 70% do valor sejam usados nas chamadas despesas de capital, como obras e compra de máquinas, e não aplicado em pagamento de servidores e encargos da dívida. O TCU ainda avalia se poderá fazer auditorias nesses repasses.

“Estamos aguardando porque trabalhamos em cima da norma vigente. O Brasil precisa virar essa página de tirar proveito do dinheiro público”, disse o presidente do TCU, José Múcio Monteiro, ao Estadão/Broadcast Político. Técnicos da corte de contas têm receio de que os repasses abram brecha para desvios de dinheiro público.

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A proposta, inicialmente, previa a fiscalização por tribunais de contas locais. Após reações contrárias, porém, o trecho foi retirado e a medida, aprovada e promulgada sem qualquer menção de como o dinheiro será controlado. A emenda pode ter ficado pior que o soneto, dizem técnicos do Congresso e integrantes de órgãos de controle.

Relator da PEC, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) vai destinar R$ 5,3 milhões para o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, aplicar onde quiser. Minas será o Estado mais beneficiado neste ano, com R$ 84,6 milhões. Na outra ponta, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), fará o mesmo com R$ 7,5 milhões para o Amapá, seu reduto eleitoral.

Dos R$ 15,9 milhões a que tem direito em 2020, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), por sua vez, vai enviar R$ 3,8 milhões para Sergipe na nova modalidade. Para ele, a essência da proposta é positiva ao desburocratizar o repasse, mas falha em não prever a fiscalização.

Vieira prometeu apoiar um novo projeto para devolver ao TCU e ao Ministério Público Federal o poder de fazer o pente-fino nas transferências. O Podemos também deve apresentar uma proposta para regulamentar a fiscalização. “Sabe-se que há má aplicação dos recursos orçamentários por intermédio das emendas. Estamos vendo no Congresso tentativas de afrouxar regras com o pretexto da agilidade”, afirmou o líder do Podemos no Senado, Alvaro Dias (PR).

Controle

O Ministério da Economia lançou uma plataforma para que seja feito o acompanhamento das transferências de verba por parte de parlamentares e de quem receberá o recurso. A prestação de contas na plataforma, porém, será opcional.

“Achamos que, apesar de não haver uma norma obrigando, haverá uma conjuntura de interesses dos municípios para dar transparência”, afirmou a diretora do Departamento de Transferências da União, Regina Lemos. Questionada pela reportagem sobre quem acompanhará a aplicação desses repasses, a assessoria do Ministério da Economia respondeu que “a fiscalização de recursos públicos cabe aos órgãos de controle, observando suas respectivas esferas de competência”.

Diferenças:

Como são as emendas “carimbadas” (R$ 8,8 bilhões)

1. Deputado ou senador indica, no projeto do Orçamento, destino de recursos para uma ação ou obra específica (por exemplo: a construção de uma creche ou dinheiro para comprar suprimentos em determinado hospital).

2. A prefeitura ou o Estado que vai receber o recurso procura o ministério relacionado para que a transferência seja efetivada. Na maior parte dos casos, é necessário que a prefeitura ou o Estado firme um convênio com o governo federal para receber o recurso. Os repasses são intermediados pela Caixa e o ministério cobra uma prestação de contas detalhada. A fiscalização fica a cargo do TCU.

Como ficam as emendas “sem carimbo” (R$ 649 milhões em 2020)

1. Deputado ou senador indica, no Orçamento, o destino de recursos para prefeituras ou Estados sem vinculação específica.

2. O recurso é repassado do Tesouro diretamente para o caixa dos prefeitos e governadores, que podem escolher como utilizar o dinheiro. O chefe do Executivo local pode ou não informar como usou o recurso enviado via emenda. Mas isso será
opcional.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.