O relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Correios, apresentado ontem, afirma que o mensalão de fato existiu e poupa o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O relator, deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), propôs o indiciamento de 124 pessoas – entre elas os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken; os ex-dirigentes do PT José Genoino, Sílvio Pereira e Delúbio Soares; o senador Eduardo Azeredo (MG); e o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), que denunciou o mensalão.
Em vez de sugerir claramente o indiciamento dos parlamentares envolvidos no esquema denunciado por Jefferson, o texto apresentado por Serraglio sugere que o Ministério Público investigue se 18 deputados cometeram crimes. O relator declarou, porém, que sua intenção foi a de propor o indiciamento de tais congressistas: "Se for preciso, mudo o relatório e também peço que sejam indiciados". A lista desses congressistas já tinha sido encaminhada ao Conselho de Ética da Câmara e o processo de julgamento interno está em curso, até agora com mais absolvições do que condenações.
Nas 1.828 páginas do relatório distribuído, Serraglio aponta como fontes de recursos do chamado "valerioduto" a Visanet, a Brasil Telecom e a Usiminas (Cosipa). Serraglio ratifica que não existiram os empréstimos do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza para o PT, conforme tentaram fazer crer os dirigentes petistas e o governo. "A tese de que a operação que viabilizou os recursos necessários à alimentação do valerioduto tinha suas origens em empréstimos bancários não prospera. Na verdade, os principais operadores do sistema viabilizaram esses recursos com fontes públicas e privadas."
Em síntese, disse Serraglio, os repasses realizados pela Visanet à DNA, uma das agências de Marcos Valério envolvidas no esquema de irregularidades, alcançaram R$ 73 milhões em 2003 e 2004. Já a Brasil Telecom, que era dirigida pelo banqueiro Daniel Dantas, de acordo com o relatório, transferiu R$ 823,5 mil para o valerioduto. Ele lembrou ainda que a DNA e a SMPB, outra empresa de Marcos Valério, imprimiram 80 mil notas fiscais falsas.
Num texto incisivo, Serraglio disse que o mensalão existiu. "Este relatório é a narrativa desse enredo político em detalhes e mostra que o mensalão foi uma realidade. Concentra em uma só palavra, ressoante, a idéia de uma prática ilícita de cooptação política contrária ao interesse público financiada com dinheiro escuso de cofres públicos e privados. Sintetiza a degradação de um escândalo imoral de favores que teve membros importantes da classe política como protagonistas", afirmou ele.
O relator criticou ainda o subterfúgio usado pelos envolvidos no escândalo, principalmente pelo ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, de que os recursos não eram oriundos de caixa 2, mas de dinheiro não-contabilizado para a campanha eleitoral. "O esquema comprovado pela CPI é nitidamente um esquema de cooptação de apoio político ilícito. É nesta cooptação antiética em que foram utilizadas operações e transações financeiras simuladas, ilegais e fraudulentas que reside a gravidade dos fatos."
Serraglio disse ainda que os recursos para o caixa 2 do PT foram levantados de forma ilegal e transferidos a partidos da base aliada em troca de apoio político. "Obviamente consubstanciado no apoio majoritário às proposições e postulações de interesse do governo em todas as fases de tramitação no Congresso Nacional."
Citados no relatório reagem indignados
Brasília (AE) – Os principais nomes citados pelo relator da CPMI dos Correios, Osmar Serraglio (PMDB-PR), em seu documento final, reagiram com indignação ao pedido de indiciamento. Certo de que estaria fora do relatório, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) atribuiu a critérios "claramente políticos" a inclusão do seu nome. Já o chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos do governo federal, Luiz Gushiken, classificou o texto de "um julgamento inteiramente injusto, despropositado e sem fundamentação jurídica".
Os dois divulgaram notas logo depois que Serraglio leu os pedidos de indiciamento. De Gushiken, por tráfico de influência e corrupção ativa. De Azeredo, por crime eleitoral. "Indignação, porque o critério utilizado para a citação de meu nome foi claramente político. Não fosse isso, o relatório teria pedido, pelo mesmo ‘crime eleitoral’, o indiciamento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de outras lideranças, cujas campanhas foram pagas, inclusive, com depósitos em contas no exterior ou dinheiro vindo de outros países", diz a nota do senador.
Já Gushiken divulgou uma nota e um texto de 51 páginas, com anexo, desenhados sob a forma de um boletim chamado "Fatos e Verdades", para dar suas explicações. Na nota, o secretário diz que o relatório serve para "perseguir em vez de investigar" e que considera "inaceitáveis" os termos que o condenam no texto. "Lamento que o relator tenha capitulado à lógica do espetáculo, sem olhar para os fatos, o que compromete todo o esforço da CPMI de aperfeiçoamento das estruturas políticas e da vida pública", diz o boletim.
José Luís Oliveira Lima, advogado do ex-deputado José Dirceu (PT-SP) – cassado em função das denúncias de envolvimento no mensalão – disse, em nome do seu cliente, que o relatório é uma peça fictícia. "Não posso comentar ponto a ponto porque ainda não tive acesso ao relatório. Mas conheço os fatos e o processo e não tenho dúvida de que é um fruto da mente criativa do relator", disse o advogado.
Procurado por jornalistas, o advogado de Delúbio Soares, Arnaldo Malheiros Filho, não retornou as ligações. O advogado Tales Castelo Branco, que representa o publicitário Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes, também não respondeu as ligações. A imprensa procurou ainda a assessoria do grupo Pão de Açúcar, onde Cássio Casseb – ex-presidente do Banco do Brasil – é agora diretor-presidente, mas não obteve resposta. O ex-presidente do PT, José Genoino, foi procurado em sua casa, em São Paulo, mas não foi encontrado.