Com o fim do primeiro turno das eleições, os brasileiros vão às urnas hoje sem ouvir propostas detalhadas para os desafios do próximo presidente. As reformas para sanar o rombo nas contas públicas, a Previdência e rever o sistema de impostos ficaram em segundo plano, e o debate eleitoral acabou dominado por temas morais. Tudo isso durante uma das maiores crises fiscais já enfrentadas no País.

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Na avaliação de analistas ouvidos pelo Estado, a polarização da campanha e o tempo mais curto de propaganda eleitoral frustraram quem queria ouvir estratégias concretas para a retomada de emprego, renda e questões estruturais para o futuro do País. Houve também situações em que o risco de desgaste com o eleitorado barrou a discussão.

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Foi o caso com as duas campanhas que lideram as pesquisas de intenção de voto. Quando perguntado sobre mudanças na Previdência em uma sabatina, Fernando Haddad (PT) minimizou a influência do economista Marcio Pochmann no programa petista. Já o guru econômico de Jair Bolsonaro (PSL), Paulo Guedes, foi desautorizado pelo capitão reformado ao considerar a criação de um imposto nos moldes da antiga CPMF.

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“Quando isso começa a incomodar o eleitorado de alguma maneira, é empurrado para debaixo do tapete. A questão da CPMF foi abortada quando se viu que aquilo poderia custar pontos para o candidato”, disse o cientista político Leandro Consentino, do Insper. “A grande preocupação das discussões não estarem sendo feitas é a população assinar um cheque em branco para o governante.”

O exemplo mais lembrado é a reeleição de Dilma Rousseff, em 2014. “Foi reeleita com um discurso e governou com outro, e deu no que deu”, afirmou Fernando Holanda Barbosa Filho, economista do Ibre/FGV. Até no tema da Previdência, em que os candidatos foram mais cobrados, poucos detalhes entraram em pauta, observou Barbosa Filho. “Todos pecaram por não determinar uma idade mínima.”

Temas mais áridos como a reforma tributária tiveram tratamento ainda mais raso. Para o especialista em tributação Bernard Appy, a discussão foi genérica, mas não fugiu do padrão de outras eleições. Segundo ele, propostas como a isenção de IR para até cinco salários mínimos ainda não foram explicadas. “Considerando os candidatos mais bem colocados na campanha, o caso do Bolsonaro é mais grave. Não dá para se ter ideia do que está sendo proposto”, disse.

“Uma profusão de discussões moralistas nas redes sociais e boatos influenciam nas pesquisas, mas nenhum tema importante foi explicado”, resumiu o professor José Luis Oreiro, da Universidade de Brasília (UnB). “Não houve discussão econômica de verdade.” Procuradas, as campanhas de Haddad e Bolsonaro não responderam aos questionamentos.

Desafios

Além de desemprego na casa dos 12%, o próximo presidente vai herdar uma situação fiscal calamitosa. A expectativa é que as contas públicas fechem o ano com até R$ 120 bilhões de rombo. Na última semana, o Ministério do Planejamento divulgou uma lista com 36 decisões urgentes que o novo governo terá de tomar. As medidas incluem endurecimento na regra de concessão do seguro-desemprego, cortes no número de funcionários dos Correios e mudanças no Minha Casa, Minha Vida.

Na contramão dos especialistas, coordenadores econômicos avaliaram a discussão econômica positivamente. “Houve um consenso de vários dos candidatos sobre a importância da reforma da Previdência e sobre a importância da reforma tributária”, disse Persio Arida, que preparou o plano do PSDB.

“Eu achei o nível de debate bom”, afirmou o economista Nelson Marconi, que colaborou com a proposta de Ciro Gomes (PDT). “O que ficou prejudicado é que tem um candidato cujos representantes nunca iam”, ironizou, se referindo à equipe econômica de Bolsonaro. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.