Poucos Estados preservam tanto suas tradições quanto o Rio Grande do Sul, e a política não fica alheia a essa característica. Mudar de partido é quase tão grave quanto mudar de time de futebol, e isso raramente passa incólume pelo exigente eleitorado gaúcho, que desde os anos 90 vem cultivando uma espécie de tabu. Desde que foi instituída a reeleição, em 1997, nenhum governador foi reeleito – uma curiosidade no Estado que, no início da República, criou caudilhos como Borges de Medeiros, um dos mais longevos governadores na história do País.
Eleito em 2010 para o Palácio Piratini, o petista Tarso Genro tenta romper essa nova tradição. Na semana passada, reforçou a chapa da reeleição com a candidatura do ex-governador Olívio Dutra (PT) para o Senado. No 5.º maior colégio eleitoral do País, quatro partidos da base da presidente Dilma Rousseff – PT, PP, PMDB e PDT – disputam o governo do Estado. Apesar de evitarem mudar de partido, os pré-candidatos gaúchos não são necessariamente fiéis às alianças das direções nacionais. Tanto que, dos quatro partidos acima, só o PT está com Dilma, mineira que passou a maior parte da vida em Porto Alegre.
O principal adversário do governador é a senadora Ana Amélia Lemos (PP), aliada do pré-candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves. O embate entre Dilma e o tucano se reproduz na disputa local. Ana Amélia se alia a Aécio no discurso de enxugamento da máquina e racionalização de gastos. Tarso, como a presidente, põe em dúvida a disposição dos adversários de manterem os investimentos em programas sociais. “Não há descontrole das finanças do Estado, o que há é um controle para sair de uma crise herdada. Choque de gestão é o discurso do Aécio repetido pela Ana Amélia, que é uma figura respeitável, mas que nunca foi gestora e não conhece a estrutura do Estado. É preciso dizer que os gastos que aumentamos são sociais”, diz o governador.
Tarso defende a estratégia do PT de difundir o medo ante o risco de vitória da oposição. “Não se faz choque de gestão sem que se cortem recursos. Como o pagamento da dívida não pode ser cortado, o corte só pode ser no arrocho salarial e nos programas sociais. Isso é um equívoco. É apostar na recessão e no aumento do desemprego”, ataca o petista, que ocupou três ministérios (Educação, Relações Institucionais e Justiça) no governo Luiz Inácio Lula da Silva.
O petista conta com a aprovação pelo Senado, esperada para novembro, do projeto de lei que muda o indexador da dívida de Estados e municípios para reduzir o déficit orçamentário. Em 2013, o déficit foi de R$ 1,4 bilhão, agravado, segundo o governo, pelo rombo previdenciário e pelos pagamentos da dívida e de precatórios. Ana Amélia critica o “pouco compromisso dos governantes com o controle de gastos”. “Terei de assumir um Estado com gravíssimos problemas financeiros e estruturais. Meu mantra é trabalhar muito e economizar o máximo para o Estado”, diz. “Sou uma pessoa pé no chão e vejo as coisas com simplicidade. Quando uma família está endividada, todos entram em processo de comprometimento para sair do vermelho.” A senadora admite que disputar o governo não estava nos planos, mas o interesse do PP gaúcho falou mais alto. “De um lado me alegra e, de outro, me atemoriza, pelo tamanho do desafio.”
Neutralidade
Embora a direção nacional do PP tenha declarado apoio à reeleição de Dilma, líderes estaduais aliados de Aécio se esforçam para aprovar na convenção nacional a neutralidade do partido, a fim de garantir a presença do tucano no material de campanha e no programa de rádio e TV. “Não adianta liberar o partido regionalmente se eu não puder colocar o Aécio na minha propaganda”, diz Ana Amélia. Antes do acerto com o PSDB, a senadora se aproximou do pré-candidato do PSB, Eduardo Campos, mas a Rede Sustentabilidade, grupo da ex-ministra Marina Silva, reagiu por causa da ligação de Ana Amélia com o agronegócio.
Pesquisa Ibope/RBS realizada entre 27 e 31 de março e divulgada em 5 de abril aponta Ana Amélia na liderança, com 38%, seguida por Tarso, com 31%. Pré-candidato do PMDB, o dissidente José Ivo Sartori, que se aliou a Eduardo Campos na disputa presidencial, tem 5% dos votos. Com 3% aparece Vieira da Cunha (PDT), aliado ao DEM e ao PSD, que deverá abrir o palanque a vários presidenciáveis. Roberto Robaina, do PSOL, ficou com 1%. A pesquisa registrada no Tribunal Regional Eleitoral sob o número RS-00003/2014 teve 812 entrevistados. A margem de erro é de três pontos porcentuais.
“Tradicionalmente as eleições no Rio Grande do Sul são muito polarizadas. O PP tem crescido, tem força no agronegócio e militância na juventude. As coisas estão marcadas, com Tarso à esquerda e Ana Amélia à direita. Mas não se pode desprezar a força do PMDB, que sempre pegou um eleitorado de centro”, diz o cientista político Benedito Tadeu César, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
O governador usa o discurso polarizado não só na busca pela reeleição, mas para defender suas posições dentro do PT – Tarso faz parte da corrente que prega mudanças no partido, com alianças no campo da esquerda e reaproximação dos movimentos sociais. “O PT, com a sua condição de partido de governo, se aproxima de um pragmatismo perigoso. No futuro, tem de assumir novamente uma função transformadora na sociedade”, diz. “Se não o fizer, o campo popular, de esquerda, vai se fragmentar em milhares de micro-organizações e a direita e a centro-direita vão reinar por muito tempo.”
Nas questões do cotidiano dos gaúchos, um dos flancos em que Tarso é mais atacado pelos adversários está no fato de não aplicar o piso nacional dos professores, instituído por ele próprio no Ministério da Educação. O petista alega que o Congresso, ao votar a lei, mudou o indexador, o que inviabilizou o pagamento. O Estado paga um complemento mensal aos professores fora do salário oficial. Além desse tema, para Benedito César a campanha gaúcha também discutirá a própria concepção de Estado e infraestrutura. “O Rio Grande do Sul depende da produção agrícola, mas não tem como escoar a produção.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.