A batalha do jornal “O Estado de S. Paulo” para se desvencilhar da mordaça que o cala há 109 dias chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). Por meio de um recurso denominado reclamação – com pedido de liminar -, protocolado hoje de manhã na mais alta instância do Judiciário, a defesa do jornal ataca ponto a ponto, em 17 páginas, o decreto de censura baixado pelo desembargador Dácio Vieira, da 5ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF).
A reclamação foi distribuída para o ministro Cezar Peluso. Subscrito pelo advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira, o documento requer a “pronta suspensão” do curso da ação movida contra o jornal pelo empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Essa ação foi iniciada na 12ª Vara Cível de Brasília, que rejeitara a censura, provocando recurso de agravo de instrumento por parte de Sarney. No TJ-DF o recurso caiu nas mãos de Dácio Vieira.
O desembargador ordenou ao jornal que parasse de publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica, que envolve Fernando Sarney. E estipulou multa de R$ 150 mil “por ato de violação” de seu “comando judicial”.
O “Estado” pede ao STF: “A suspensão dos recursos dela (ação civil) tirados, especialmente o agravo ao qual a 5ª Turma Cível do TJ, sob presidência e relatoria do desembargador Lecir Manoel da Luz, conheceu para, dando-se por incompetente, declinar dessa competência para o Juízo Cível Federal do Maranhão e, invocando o ‘poder geral de cautela’, continuar tolhendo ao ‘Estado’.”
A defesa pleiteia que o STF libere o “Estado” para “a regular divulgação das informações que obteve sobre Fernando Sarney e são objeto da impetração judicial inibitória”. Manuel Alceu ressalta que o jornal foi impedido de “divulgar as informações e os elementos que recebeu e que, no exercício do direito-dever jornalístico de comunicar, pretendia e continua querendo repassar a seus leitores”.
Para ele, o TJ-DF “desacatou” o histórico julgamento do STF que culminou com a revogação da Lei de Imprensa, do regime autoritário. O advogado assinalou que a censura judicial foi “operada sob as vestes da proteção aos direitos da personalidade como se a eles pudesse ser forasteiro, apartado, quiçá incompativelmente distante, o fundamental direito à manifestação do pensamento”.
A reclamação faz citação a manifestações de ministros do Supremo. Uma delas, do decano Celso de Mello. “A censura governamental, emanada de qualquer um dos três Poderes, é expressão odiosa da face autoritária do poder público.”
Manuel Alceu sustenta que o TJ-DF, “canonicamente agindo sob a roupagem de verdadeira Congregação para a Doutrina da Fé, aviltou a liberdade informativa, sujeitando-a à inibição judicial prévia (…) e privilegiou, ou pensou estar privilegiando, direitos personalísticos subjacentes à privacidade e à honra, sobrepondo-os ao direito prevalecente da atividade informativa”.
A reclamação destaca que outros veículos de imprensa “propalaram à larga” o conteúdo das gravações da PF. “Os assuntos tratados pelos interlocutores-familiares (os Sarney), e por terceiros, não diziam mínimo respeito às possíveis intimidades do núcleo familiar”, argumenta o advogado. “Tudo o que naquelas gravações está contido consubstancia temário de interesse público, a abranger o preenchimento, nepotista ou não, de cargos estatais, favorecimentos governamentais, intromissões em licitações e contratos da administração direta e das entidades paraestatais.”