A Receita Federal está fazendo uma devassa na contabilidade de vários partidos, e não apenas nas contas do PT. As auditorias foram solicitadas pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, responsável pelas investigações dos repasses do PT para parlamentares da base governista. O procurador acionou a Receita há dois meses e pediu a investigação contábil depois de recolher indícios de incompatibilidade entre a contabilidade e a movimentação financeira dos partidos. "Não são todos, mas são muitos partidos", disse o procurador-geral no intervalo do Terceiro Encontro da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro (Encla), que foi aberto anteontem à noite e termina amanhã.
Segundo o procurador-geral, a investigação sobre o suposto mensalão não se resume a um único partido. Ele argumenta que a investigação é complexa e envolve vários aspectos, e não apenas as transferências de dinheiro de caixa 2 do PT para aliados políticos. Souza disse que tem trabalhado diariamente nas investigações em busca de provas que resultem em condenação dos culpados e absolvição dos inocentes e garantiu que todos os responsáveis serão punidos. "Não vou manchar minha biografia, ninguém será deixado de lado."
No último dia 2, seis meses depois do início do escândalo do caixa 2, o PT teve de entregar sua contabilidade oficial à Receita Federal, que foi à sede nacional do partido em São Paulo. Os dirigentes receberam os auditores e entregaram a contabilidade de 2001. A Receita investiga as contas de 2000 a 2004. O tesoureiro petista, Paulo Ferreira, informou na ocasião que os documentos contábeis referentes aos outros anos estavam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e seriam encaminhados à Receita. No "mandado de procedimento fiscal" da Receita, requisitando os documentos ao partido, não há motivo determinado para a investigação, que começou no dia 5 de outubro e que, segundo a Receita, está sob sigilo fiscal.
Ira pública
Na abertura do encontro, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, defendeu que a "inteligência do Estado, em oposição à inteligência criminosa, precisa se autolimitar. Deve respeitar, entre outros princípios, o da presunção da inocência. Investigados não podem ser expostos à ira pública. Agentes públicos não podem ser acessórios à mídia e devem zelar por sua agenda de interesse público".
O procurador-geral defendeu, ainda, o profissionalismo necessário à credibilidade do Brasil: "documentos obtidos por via de cooperação entre órgãos, domésticos e estrangeiros, por exemplo, devem ser tratados com confidencialidade e usados, somente, nas finalidades inerentes à cooperação". Para Antônio Fernando, "os diversos órgãos estatais têm mais se excluído mutuamente na missão de combate ao crime, do que se unido", o que pode revelar a ineficiência do poder público. Mas reconhece que a Encla é uma forma revolucionária de se conjugar esforços para vencer a ousadia e criatividade das organizações criminosas transnacionais.
Como forma de aprimorar o trabalho desempenhado, o procurador-geral da República propõe à Encla: discutir os princípios profissionais, legais e éticos dos agentes públicos que atuam nesse campo; esforçar-se pela confidence building (construção de confiança) entre os órgãos envolvidos; criar um comitê executivo permanente, como instância administrativa de monitoramento dos trabalhos setoriais e das informações obtidas nos processos de cooperação, e planejar um manual de boas práticas para os agentes públicos, para que haja profissionalismo e respeito aos limites constitucionais.
Força-Tarefa CC5 denuncia mais 52
Rhodrigo Deda
A Operação Zero Absoluto da Força-Tarefa CC5 do Ministério Público Federal (MPF) do Paraná denunciou na semana passada mais 52 pessoas por crimes financeiros e lavagem de dinheiro. Os denunciados são doleiros, que operavam no Brasil sob fachada de empresas de câmbio e turismo e que possuíam contas em nome de empresas "offshore" no Merchants Bank, em Nova York. As "offshores" utilizadas pelos doleiros são empresas constituídas geralmente em paraísos fiscais, com a finalidade de ocultar a identidade de seus verdadeiros donos.
Segundo o procurador da República Vladimir Aras, a operação Zero Absoluto já denunciou 106 pessoas até o momento e deve protocolar mais denúncias na próxima semana. "Essa operação está finalizando seus trabalhos, o que deve ocorrer no início do próximo ano. Falta ainda analisar os dados de mais três contas de offshores no Merchants Bank", diz Aras.
O Ministério Público pediu também à Justiça o bloqueio de US$ 5.519.848,96 de 22 contas: Benfica, Francisco, Tigrus, Pompeu Maia, Belem, Star, Surprise, Parned, Allmer, Beira-Mar, Doyen, Goldrate, Silver, Leandrini, Beverly Hills, Harborside, Safeport, Magnunn, Jagura, Milano, florida e Pelican. Por meio da Operação Zero Absoluto, o MPF já pediu à Justiça o congelamento de US$ 25.070.413.
Porém, Aras explica que há bastante dificuldade para a repatriação desses valores. "Essa é a parte mais difícil. Os valores são bloqueados pelos americanos, mas falta conseguir o desbloqueio em favor do Brasil". Para isso, é necessário haver a condenação das pessoas envolvidas. Só em seguida os valores podem ser liberados pela Justiça americana e serem remetidos ao País. "Os americanos não vão entregar valores de particulares para o Brasil se não houver condenação", diz. O Ministério Público já conseguiu, após condenações com trânsito em julgado, a repatriação de mais de US$ 8 milhões.
Há duas semanas, o MP encaminhou à Justiça Federal denúncia de 17 pessoas que estão sendo investigadas na mesma operação, por crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e lavagem de dinheiro, sendo que 12 delas foram também denunciadas por formação de quadrilha.
A Operação Zero Absoluto tem a finalidade de "congelar" o dinheiro enviado ilegalmente para contas no exterior. Começou no ano passado nos Estados Unidos e é fruto de uma investigação conjunta do MPF e da Polícia Federal, com o apoio do Departamento de Segurança Interno (DHS) de Newark.
652 processos e 90 condenados por lavagem
A Justiça Federal realizou pela primeira vez um levantamento dos inquéritos e sentenças sobre lavagem de dinheiro no País. Este ano, em todo país, 652 pessoas estão sendo processadas por lavagem de dinheiro e 90 delas já foram condenadas. Os números também indicam o crescimento, nos últimos três anos, de inquéritos e condenação de réus.
Os dados foram divulgados ontem, durante o 3.º Encontro da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro. As informações foram levantadas pelo Conselho da Justiça Federal, que durante um ano trabalhou em parceria com o Ministério da Justiça. Foram analisados cinqüenta mil processos dos quais foram selecionados 10%. Os dados indicam que o estado de São Paulo tem a maior quantidade de processos (211), seguido de Rio de Janeiro (133) e Paraná (124).
"Acredito que a partir disso possamos ter um novo estímulo porque o que está sendo feito é de fato um novo incremento. Pela primeira vez, nós temos um banco de dados que nos permite aferir de uma maneira bem conservadora o que está avançando, através do único indicador confiável, quantitativo das ações penais, dos inquéritos policiais e das condenações que existem", disse o ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos.
Durante o encontro, serão discutidas pelo menos 22 novas propostas, levantadas em novembro pelo Gabinete de Gestão Integrada de Prevenção e Combate à Lavagem de Dinheiro (GGI-LD). Entre elas está a definição das PEPs (politically Exposed Persons), ou Pessoas Politicamente Expostas, que passarão a ter um acompanhamento mais rigoroso do sistema financeiro, segundo regras determinadas pelo Banco Central.
