Durante diálogo público que discute o projeto de lei 7.448/2018, na sede do Tribunal de Contas da União (TCU) nesta segunda-feira, 23, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, voltou a dizer que a proposta eleva a insegurança jurídica, representa risco de retrocesso e irá dificultar a fiscalização do cumprimento dos princípios constitucionais na aplicação do direito público.
Em sua fala, a procuradora-geral afirmou que caso a proposta seja sancionada, “dificilmente haverá prevenção, haverá repressão ou haverá ressarcimento de danos ao erário público por atos de improbidade administrativa”. “A lei apregoa o contrário.”
O projeto, que entre outros pontos altera as regras para punições de agentes públicos pelos tribunais de conta, foi apresentado em 2015 pelo senador Antonio Anastasia, do PSDB. No Senado e na Câmara, foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, sem passar pelo plenário, seguiu direto para o Palácio do Planalto, onde espera sanção até esta quarta-feira, 25. Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo na semana passada, a tendência é que o texto seja sancionado pelo presidente Michel Temer com possibilidade de incluir alguns vetos.
“Ao criar novos parâmetros de interpretação à lei, no entendimento do Ministério Público, a proposta eleva a insegurança jurídica. Trata-se de uma lei mais benéfica para o infrator. Efeitos retroativos poderão ser invocados por interessados, inclusive os já processados e já punidos judicialmente. A insegurança jurídica poderá favorecer a impunidade de agentes públicos”, disse Raquel.
A chefe do Ministério Público afirmou também que o projeto de lei pode desfazer o atual sistema de controle de responsabilização de ressarcimento por atos lesivos ao erário e ao interesse público vigente no País. “A lei pode promover impunidade ao negar a efetiva aplicação da lei de improbidade administrativa, que é um marco muito importante de combate à improbidade no país”, destacou Raquel.
Em nota técnica enviada à Presidência da República, Raquel diz que a proposta é “repleta de inconstitucionalidades” e “afetará fortemente a atuação dos órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União e os Ministérios Públicos”. Em sua avaliação, o projeto de lei “constitui um indesejado fator de insegurança jurídica que favorece a impunidade de agentes públicos responsáveis por atos de improbidade, inclusive com efeitos retroativos”.
Durante sua fala, a procuradora-geral destacou que existe a possibilidade de a proposta tornar mais insegura a gestão do patrimônio público brasileiro. “Há também o risco de a corrupção aflorar ainda mais e da ineficiência continuar sendo uma das marcas nacionais”, disse.
“Em respeito ao que nos impôs a Carta, não podemos nos calar neste momento nem nos omitir quando surgem movimentos que parecem vir para embaraçar ou impedir quaisquer das frentes de organismos de controle do Brasil”, disse a procuradora-geral.
“Avançamos muito nos últimos anos com leis como a da Ficha Limpa, da transparência e da improbidade administrativa. Temos uma sociedade muito amadurecida, que acompanha e quer estar muito bem informada. Isto deve ser encarado com otimismo e enaltecendo grau de maturidade do povo brasileiro.”
Presente no evento, a ministra Grace Mendonça, da Advocacia Geral da União, lembrou aos presentes que ao assunto está sendo analisado e avaliado pela AGU e as demais instituições de fiscalização e controle. “É com reflexões como essa que teremos a oportunidade de enriquecer a percepção sobre projeto.”
Na avaliação do ministro da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União Wagner Rosário, a discussão do evento é sobre como ter uma norma que permita o combate implacável à corrupção e que dê garantias aos gestores corretos.
Para o ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a proposta pode ir contra seu objetivo de garantir segurança jurídica. Em sua fala, disse que o projeto de lei não menciona “interesse público”, mas, sim, “interesse geral”.
Prioridade
Na última semana, o Estado mostrou que o projeto de lei está na lista de agenda prioritária do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), presidido por Raquel Dodge, inclusive, com posicionamento pela sua aprovação.
A assessoria da procuradora-geral e presidente do CNMP informou que o posicionamento de Raquel é o que consta do ofício que ela enviou a Temer e que o que foi discutido no CNMP é um trabalho isolado da Comissão de Acompanhamento Legislativo e Jurisprudência (CALJ).
O presidente da CALJ é o ministro dos Direitos Humanos, Gustavo Rocha, que, no final de outubro de 2017 levou aos 12 membros que formam o CNMP, incluindo a presidente do órgão, Raquel Dodge, uma consulta para que fossem sugeridas propostas a serem incluídas na agenda e, posteriormente, elencadas como prioritárias. Rocha disse que não há conflitos, que a agenda é uma mera sugestão e que a presidência do CNMP não se manifestou quanto ao mérito.