“Se continuar assim eu ainda vou te enterrar antes do primeiro turno.” Foi com esta frase que um segurança repreendeu um convalescente Jair Bolsonaro, dez dias depois do atentado a faca que tirou o candidato do PSL da campanha nas ruas nas semanas que antecederam o primeiro turno da eleição presidencial. Mesmo com melhora gradativa, as pessoas que visitavam o deputado no Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, asseguravam que ele estava abusando da sorte. Naquela manhã de 18 de setembro tivera um leve aumento de temperatura, mas nos dias anteriores gravou vídeos para redes sociais e atendeu a ligações de apoiadores e amigos, contrariando as orientações da equipe médica que o assistia.

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O desafio à autoridade – médica, neste caso – é uma marca pessoal do presidenciável mais bem posicionado nas pesquisas eleitorais no primeiro turno. Ironicamente, o candidato que prega o respeito à ordem se projetou justamente confrontando o status quo militar.

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Foi em 1987, quando estava na linha de frente da campanha por melhoria dos soldos, que o político Bolsonaro começou a ser moldado. Tornou-se vereador da cidade do Rio de Janeiro na eleição seguinte e, posteriormente, atraído a partidos médios como puxador de votos para formação de bancada na Câmara dos Deputados. Reconhece sempre que questionado o fato de ter tido atuação modesta em Brasília e de ter feito parte do baixo clero da Casa.

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A sorte de Bolsonaro começou a mudar, porém, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. O Ministério da Educação propunha a formulação de um plano para discussão da identidade de gênero nas escolas e o Bolsonaro viu aí uma oportunidade para dar sentido a sua atuação na Câmara. Tornou-se o inimigo número 1 do que chamou de “kit gay” e porta-voz no Plenário do conservadorismo crescente em uma parcela da sociedade brasileira.

Nesta época, Ana Cláudia Graf conheceu o trabalho do deputado federal fluminense. “Minha filha estudava em uma escola católica e lá eles estavam começando a discutir esta coisa de gênero”, contou ela à reportagem, durante uma abafada manhã de sábado em frente ao Albert Einstein – no 16º dia de internação do capitão no local.

Ana Cláudia ajuda a comandar uma rede de apoiadores de Bolsonaro chamada “Ativistas Independentes”, que conta com 60 mil seguidores no Facebook e dezenas de grupos de WhatsApp. Ela é, como gosta de ressaltar, parte do exército de voluntários da campanha do capitão da reserva, embora reconheça que não concorda com a totalidade das opiniões dele. Quando questionada a dar exemplo de uma posição dele com a qual não concorda, ela se esquiva e diz que tem de gravar rápido o vídeo do dia – uma convocação a uma carreata no domingo seguinte – e buscar a filha na aula de ginástica artística.

Esta militância orgânica e, muitas vezes, pouco hierarquizada ajudou a manter em movimento a campanha bolsonarista nas três semanas de internação do capitão. Findada a trégua de 72 horas depois do atentado em Juiz de Fora (MG), concorrentes retomaram as críticas a ele após o debate Estadão/TV Gazeta. Ciro Gomes, candidato do PDT, abriu fogo em entrevista após o encontro dos presidenciáveis no domingo, 9 de setembro, quando disse que a facada havia lhe atingido a barriga, mas que a cabeça continuava a mesma.

Ainda assim, as campanhas concorrentes demoraram a traçar uma linha de atuação clara contra Bolsonaro. Geraldo Alckmin (PSDB), dono do maior tempo de televisão e pretenso receptor dos votos do eleitorado conservador em caso de derretimento do apoio ao capitão, tateou, ensaiou voltar a relacioná-lo à violência contra mulheres, questionou a experiência administrativa e acabou apelando, nas duas últimas semanas, ao voto útil.

Alckmin, porém, se tornou alvo da crítica pesada de apoiadores de Bolsonaro e, principalmente, dos filhos do capitão. Carlos, vereador no Rio de Janeiro e mais ativo nas redes sociais, dispara diariamente uma série de postagens contra-atacando o tucano, com milhares de compartilhamentos. Flávio e Eduardo também o endossam, mas têm de cuidar das próprias campanhas – o primeiro é candidato ao Senado pelo Rio de Janeiro e o segundo concorre à reeleição a deputado federal por São Paulo.

Ausência proveitosa

Observadores externos avaliam, no entanto, que o afastamento de Bolsonaro da campanha o fortaleceu, menos pelo argumento da vitimização após o atentado e mais pela ausência dele no debate político. “Esta justificativa para ele estar ausente contribui para um lado mítico, que a campanha dele quer passar. Mas, na realidade ele, tem uma fragilidade de pautas muito grande. Quanto mais tempo se der para ele apresentar propostas, mais ele se enrosca, se confunde”, opina o cientista político Roberto Gondo, professor de marketing político do Mackenzie.

De enrosco e confusão, aliás, se alimenta o entorno de Bolsonaro. O vice, General Hamilton Mourão (PRTB), proferiu críticas ao 13º salário, o que poderia ser um risco para o candidato entre os eleitores mais pobres. Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga” da economia, propõe a recriação da odiada CPMF. Gustavo Bebianno, presidente do PSL, comanda com ares autoritários o partido e tenta controlar até o acesso ao deputado. Destes, somente o último não levou chamadas públicas do capitão.

Mas nas relações privadas, longe das câmeras da imprensa e das redes sociais, Bolsonaro é simpático e de trato afável. “Ele sempre foi extremamente respeitoso, nunca o vi se alterar com ninguém”, diz a candidata a deputada estadual pelo PSL Daniela Bruzarrosco, que relativiza levantamentos que mostram que é entre as mulheres que Bolsonaro tem maior resistência – perto de 50%, segundo o Ibope e o Datafolha.

O deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS), articulador político de Bolsonaro com pares do Legislativo, desacredita destes números. “Eu não acredito em pesquisas”, brada. “Nós vamos é ganhar no primeiro turno.”