Quando decidiu gravar em fitas cassete seu dia a dia no poder, o presidente Fernando Henrique Cardoso, então com 63 anos, planejava que as “confissões” só fossem divulgadas depois de sua morte. Ao mudar de ideia e publicar em vida os registros da passagem pelo Palácio do Planalto, o tucano revela desabafos, queixas e satisfações, assim como se expõe a reações e desmentidos de quem foi citado. Não renega o que foi dito, e acaba por usar as comparações com o Brasil de hoje para apontar erros não só no governo petista, mas na oposição tucana. “Não acho que o PSDB deva fazer o que o PT fez comigo”, diz o ex-presidente.

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Na apresentação do primeiro volume de Diários da Presidência, a ser lançado na quinta-feira, FHC aponta alguns dos motivos que o levaram a “publicar ainda em vida informações que foram ditadas para depois da morte”: desfrutar o prazer e os incômodos de ver as reações; traçar paralelos entre a dificuldade de governar o Brasil em 1995 e em 2015; mostrar o “infundado de muitas apreciações sobre meu governo, sobretudo quanto a acusações que se repetem”. Em entrevista ao Estado, acrescentou: “No momento que o Brasil vive, precisamos abrir o jogo e deixar mais claro como as coisas são. Eu não tenho nada a esconder”.

Não há uma forma única de se ler as mais de 900 páginas do primeiro volume, que traz a transcrição de 44 fitas e quase 90 horas de gravações entre o Natal de 1994 e o fim de 1996. Pode-se ler o livro cronologicamente, ou buscar as citações a nomes ou temas. De um jeito ou outro, tem-se um presidente da República registrando como gostaria que seus feitos e intenções fossem lembrados. De certa forma, soa como antídoto ao que Shakespeare dizia ocorrer: “O mal que os homens fazem lhes sobrevive, ao passo que o bem é, na maioria das vezes, sepultado com os seus ossos”.

Sem culpa.

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Ao ouvir as gravações para a edição do livro, com o distanciamento de quase duas décadas, FHC reconhece erros em suas avaliações de momento, assim como as dúvidas e dilemas antes da tomada de decisões. “Posso ter errado, e certamente errei na apreciação de pessoas, fui injusto e tudo o mais. Mas é aquilo”, afirmou o tucano. “(Nas gravações) Eu mudo de opinião, fico na dúvida. O ser humano é complexo.”

Parte dos desabafos e relatos já renderam queixas dos citados, como o atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), cujo nome FHC diz ter recebido do então deputado Francisco Dornelles (hoje no PP-RJ) como indicação para uma diretoria na Petrobrás.

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“Naquela altura eu mal sabia quem era Cunha. Eu só tinha registro do que tinha acontecido no governo Itamar (Franco), que ele perdeu o lugar dele lá (a presidência da Telerj, antiga estatal de telecomunicações)”, explica o ex-presidente. “Não sei se foi o Dornelles quem pediu. Foi um grupo de deputados, encabeçado pelo Dornelles. Pode ser que ele tenha razão, mas eu não ia inventar isso hoje. As pessoas têm que encarar isso como fatos da vida. Não é culpa.”

Assim também podem ser vistas as queixas do então presidente às intrigas entre os auxiliares mais próximos e à defesa de seu governo pelo PSDB. FHC reconhece o papel de deputados e líderes da época, como José Aníbal, Arnaldo Madeira e Aécio Neves, mas aponta como problema a não ser repetido pelo partido a “falta de convicção” dos tucanos nas votações.

“O que eu reclamava era o seguinte: eu sei que nós vamos ganhar. Vai estar lá, no painel (do plenário) que o governo ganhou. Mas eu dizia: vocês vão perder a eleição porque ninguém está lutando ideologicamente. O PT vai lá e diz que isso é traição nacional. Todo mundo fica paralisado”, recorda, na entrevista sobre o livro. “Na época era assim: o que o PT falou, está falado. Eu dizia que eles não estavam lutando para fazer uma coisa com convicção. Estão dando um voto sem convicção. Eu quero voto com convicção. Tem que brigar.”

É o que se vê no PSDB de hoje, como oposição aguerrida à presidente Dilma Rousseff? Não exatamente, diz o tucano. “Em certas matérias a oposição precisa pensar no País. Não pode votar contra o fator previdenciário. Acho um erro do PSDB no Congresso”, avalia Fernando Henrique. “A situação fiscal é dramática e alguma coisa precisa ser feita. Eles (PT e PSDB) estão em uma competição, no calor da batalha. Mas não pode errar estrategicamente.” As informações são do jornal O Estado de S.Paulo