Agora com Sérgio Moro

Promotores que querem Lula na cadeia recorrem contra decisão de juíza

Os promotores do Ministério Público de São Paulo que querem Lula na cadeia recorreram nesta terça-feira, 15, contra a decisão da juíza Maria Priscilla Ernandes Oliveira, da 4ª Vara Criminal da Capital, que mandou para o juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, os autos da denúncia contra o ex-presidente no caso tríplex.

Lula é acusado por lavagem de dinheiro e falsidade ideológica porque teria omitido ser o verdadeiro proprietário do apartamento 164/A no Condomínio Solaris, no Guarujá.

Os promotores sustentam que é da Justiça estadual de São Paulo a competência para conduzir o processo contra Lula e mais 15 denunciados, entre eles a ex-primeira dama Marisa Letícia, o filho mais velho do casal Lula, Fábio Luiz Lula da Silva, o Lulinha, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS – empresa que bancou ‘reforma portentosa’ no tríplex 164/A ao custo de quase R$ 800 mil em 2014.

“Não se mostra devido que (a juíza) decline de sua competência, mas enfrente, de forma antecipada, o mérito do caso, chegando a estabelecer presunções relativas a investigação que tramita perante outro Juízo – cujos elementos não constam dos autos. Verifica-se, cabalmente, que a decisão judicial não levou em conta os inúmeros estelionatos que compõem a peça inicial acusatória”, destacam os promotores, referindo-se às mais de 7 mil famílias que adquiriram, mas não levaram as chaves, unidades da Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), entidade que deu início ao Solaris – as obras acabaram assumidas pela OAS, cujo dono, Léo Pinheiro, é amigo de Lula.

Os promotores rebatem ponto a ponto, em 13 páginas, os argumentos da juíza que encaminhou os autos para Sérgio Moro sob alegação de que o juiz da Lava Jato detém competência para tocar o processo por se tratar de crime de competência federal. Um dos argumentos de Maria Priscilla é que os promotores não teriam apontado os motivos de Léo Pinheiro ter bancado reforma milionária no tríplex que seria de Lula – o que é negado enfaticamente pelo ex-presidente.

No recurso, os promotores citam que Vaccari foi presidente da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) – entidade inicialmente responsável pela construção do Condomínio Solaris, obra que acabou sendo repassada para a OAS. Outro argumento da juíza é que a empreiteira é apontada como integrante do cartel que se formou na Petrobras entre 2004 e 2014, episódio que deu origem à Lava Jato.

“Não se justifica a fundamentação de que não houve menção do motivo. Ora, textualmente foi explicitado que um dos motes para o privilégio foi relação de amizade, quase simbiótica. Não só o ex-presidente da República mantinha relação fraternal com João Vaccari Neto, o diretor-presidente da Bancoop à época, que, depois de ‘quebrar’ a cooperativa foi alçado a tesoureiro nacional do Partido dos Trabalhadores, como também com José Adelmário Pinheiro Filho, Léo Pinheiro, o generoso presidente de fato da OAS que lhe contemplou com diversos presentes, reforma, eletrodomésticos, móveis planejados, todos objetos de investigação do Ministério Público Federal e já provados documentalmente.”

Os promotores são enfativos. “Afirma-se que o caso Bancoop é absolutamente independente da Operação Lava Jato, com possível desvio de recursos da Petrobras. Não por outra razão já tramita processo crime perante a 5ª Vara Criminal do Foro Central de São Paulo (Barra Funda) sobre o mesmo assunto. Afirma-se que o repasse de diversos empreendimentos imobiliários da Bancoop para a OAS com a ocorrência de inúmeros crimes de estelionato, falsidades ideológicas e crimes contra incorporação imobiliária é independente da Petrobras. Há de separar-se o ‘joio do trigo’. Em 2009/2010 não se falava de escândalo na Petrobras. Em 2005 quando o casal presidencial, em tese, começou a pagar pela cota-parte do imóvel, não havia qualquer indicação do escândalo do ‘petrólão’. Ao contrário, estávamos no período temporal referente ao escândalo do ‘mensalão’. Não é possível presumir genericamente e sem conhecer detidamente as investigações que tramitam perante a 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba que tudo tenha partido de corrupção na estatal envolvendo desvio de recursos federais. Aliás, se não é a juíza competente para apreciação do presente caso, jamais poderia antecipar juízo de valor sobre os fatos.”

Os promotores anotam que a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, em pedido formulado pela defesa do ex-presidente, em ação civil originária, negou liminar de suspensão das investigações por eventual bis in idem na esfera estadual e federal, ‘porque não vislumbrava ilegalidade irrefutável nos procedimentos em tramitação e as investigações possuíam perspectivas diferentes’.

Em sua decisão, Rosa Weber disse que ‘primeiro se investiga, depois se denuncia, se for o caso’.

“Foi exatamente o que o Ministério Público do Estado de São Paulo realizou: investigou e denunciou todos os investigados sobre os quais recaíam imputações penais, agora recorridos, sendo que em relação à investigação criminal que tramita perante a 13ª Vara Criminal Federal ainda não houve conclusão da apuração, de modo que a magistrada que se declarou aqui incompetente avançou de forma indevida em seara de caso que sequer conhece a fundo, diga-se, sequer objeto de ação penal”, assinalam os promotores de Justiça de São Paulo Cássio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique de Araújo.

Os promotores observam, ainda. “Não há qualquer conflito de atribuições entre os Ministérios Públicos Estadual e Ministério Público Federal e, consequentemente, não há qualquer conflito de competência entre os Juízos Estadual e Federal, tampouco conexão dos fatos tratados na investigação que culminou com o ajuizamento de ação penal pública perante a Justiça Estadual, com aqueles tratados perante a 13ª Vara Federal de Curitiba (de Sérgio Moro).”

“Enfatize-se que na investigação objeto da denúncia ora oferecida pelo Ministério Público Estadual, os fatos são relativos a inúmeros crimes de falsidade e estelionato, praticados contra milhares de famílias que ficaram sem seus apartamentos, espoliadas que foram por toda sorte de delitos, enquanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sua esposa Marisa Letícia Lula da Silva e o filho foram contemplados com um tríplex, na beira da praia”, apontam os promotores do Ministério Público paulista.

Eles definem qual é o objetivo do Ministério Público Federal/força-tarefa da Lava Jato. ” Ao Ministério Público Federal compete a análise da aquisição da mobília planejada da cozinha, área de serviço, e demais ambientes do tríplex 164 A, do edifício Salinas, do condomínio Solaris, assim como dos eletrodomésticos e, igualmente, a análise da progênie dos quase R$ 800 mil que foram gastos na portentosa reforma estrutural com, inclusive, a instalação de elevador privativo entre os andares. Benesses materiais todas produzidas em momento contemporâneo com a investigação do escândalo da Petrobras (2014).”

Os promotores abordam um ponto crucial da demanda. “Os crimes antecedentes que geraram o crime de lavagem de dinheiro mencionado na denúncia são de cunho estadual. Ocorreram antes da Lei 12.683/12, por intermédio de organização criminosa (artigo 1º, VII, da Lei 9.613/98). E ocorreram depois, com o advento da Lei 12.683/12, na modalidade estelionatos e crime contra a incorporação imobiliária. Cumpre lembrar que com a promulgação da Lei 12.683/12 não se fez mais necessário o prévio rol taxativo.”

Eles sustentam que ‘não parece possa haver interesse da União’. E fustigam outro argumento da juíza da 4ª Vara Criminal da Capital, segundo a qual a falsidade ideológica atribuída a Lula reforça a tese de que a competência é da Justiça Federal. “Não nos parece acertada a remessa à Justiça Federal, sob o argumento de que houve falsidade ideológica em documento público federal para consecução de crime tributário federal. Primeiro porque conforme restou explicitado na denúncia, o eventual crime de falsidade se consubstanciou em crime antecedente para possível crime de lavagem de dinheiro proveniente da prática de crimes estaduais; segundo, porque a eventual falsidade não foi produzida para fins tributários federais, já que não se logrou sonegar imposto de renda federal, mas sim como ilícito destinado a proporcionar a ocultação de patrimônio em decorrência de crimes estaduais. Mais didático: quis-se por intermédio dessa consignação falsa, ocultar o apartamento 164 A. Terceiro, porque a relação de bens contida no campo próprio do imposto de renda não é utilizada para fins de tributação1. Diferentemente do apregoado pela magistrada, não se trata de sonegação de imposto de renda, porque o apartamento 141 A não pertencia ao recorrido Luiz Inácio Lula da Silva, consequentemente, não lhe gerava qualquer renda! Como sonegar um bem que não lhe pertencia?”

“Parece-nos absolutamente claro que essa ‘cota parte’ com numeração de unidade autônoma converter-se-ia na unidade 164 A, sempre destinada à família presidencial e em nome da OAS, tanto na relação de condôminos, quanto no cartório de registro de imóveis, em autêntica integração do crime de lavagem de dinheiro, que não se consubstanciou porque a imprensa noticiou a sua relação espúria com o tríplex e houve a mudança de condutas para não permitir, à evidência, a prática criminosa, o que se verificou em janeiro de 2015?, continuam os promotores.

Segundo eles, ‘a magistrada alega que não houve detalhamento da origem do dinheiro, com o que se discorda’.

“Na medida do possível houve esclarecimento integral de que os recursos materiais utilizados na construção do empreendimento são fruto de diversos crimes de falsidades e estelionatos, sendo que quanto a estes últimos houve esclarecimento em minúcias tais crimes, inclusive, com a quantificação deles, até mesmo com vítimas específicas do condomínio Solaris, onde está estabelecido o tríplex do ex-presidente da República.”

“A alegação do Juízo de que não nos preocupamos em apresentar a origem do dinheiro é indevida”, assinalam.

Os promotores pedem que a juíza ‘exerça juízo de retratação’ e, em caso negativo, que após a remessa dos autos ao Tribunal de Justiça os desembargadores da 10ª Câmara Criminal da Corte determinem à Maria Priscilla Oliveira que receba a denúncia.