Um projeto que tramita no Senado quer ampliar o poder de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito. A ideia é que o Congresso possa propor a colaboração premiada a investigados, ferramenta que se tornou popular nos últimos anos na Operação Lava Jato. Atualmente, apenas delegados de polícia e o Ministério Público podem oferecer essa alternativa.
A proposta é do senador Jorge Kajuru (PSB-GO). Para alguns parlamentares, a sugestão pode revitalizar o papel das CPIs no Congresso. Investigações passadas que tiveram poucos resultados práticos desgastaram as comissões. Já para outros, a ferramenta não cabe ao Parlamento e deve permanecer sob controle exclusivo da Justiça, como ocorre atualmente.
“O investigado ou acusado pode ter interesse em conversar com parlamentares, e não com a polícia ou o Ministério Público. A CPI pode vir a ter acesso a informações que levem a uma proposta mais vantajosa de acordo para ambos os lados”, diz o autor no texto do projeto. Kajuru, no entanto, não define que tipo de “prêmio” o Congresso poderá oferecer aos investigados.
O senador justificou a decisão de propor a mudança à “decepção” que disse ter tido ao atuar na CPI de Brumadinho no Senado no começo do ano. No colegiado, investigados conseguiram habeas corpus no Supremo Tribunal Federal para não comparecer ou permanecer em silêncio durante as audiências das comissões instaladas no Congresso para apurar o caso.
Relator da CPI dos Correios, que investigou o mensalão em 2006, o ex-ministro da Justiça Osmar Serraglio afirmou que a medida precisa de debate, mas que pode ser eficaz. “Essa delação vai ser decidida por um colegiado, e não por um juiz individualmente, e terá um filtro maior e muito transparente”, disse. “Se tivéssemos isso na época (do mensalão), teríamos mais resultado.” Serraglio, no entanto, ponderou que é preciso avaliar o que poderá ser oferecido aos investigados.
Presidente da CPI do BNDES na Câmara, o deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP) não vê como prerrogativa do Parlamento a oferta da colaboração premiada. “A dificuldade que tenho é sobre convocações. O Supremo está dando habeas corpus para as pessoas não comparecerem. Já falei até com o presidente (do STF) Dias Toffoli sobre isso.”
A CPI do BNDES foi instalada em março para investigar se o banco privilegiou um grupo de empresas. Para Macris, é preciso esclarecer se houve benefício para o Brasil em transações com outros países. Ele tentou convocar os empresários Joesley e Wesley Batista, do grupo J&F, mas decisões do Supremo barraram a ida dos irmãos à Câmara. “A CPI é um instrumento positivo porque mostra abertamente para a sociedade. É um instrumento público de investigação.”
Resultado nenhum
O líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), se disse cético em relação ao papel das comissões. “Dá visibilidade aos proponentes e à mídia, mas, infelizmente, com resultado nenhum. Atuei muito nas CPIs do sistema prisional e da CBF quando estava na Câmara. Achei que ia abrir a caixa-preta. Todas as propostas dos presídios foram para o lixo e a da CBF terminou sem relatório.”
No Supremo, a iniciativa de Kajuru é vista com reservas e dúvidas. Um ministro ouvido reservadamente pela reportagem afirmou acreditar que o Congresso não teria legitimidade para oferecer esses acordos, já que quem detém o poder de iniciar o procedimento criminal é o Ministério Público. Outros dois ministros afirmaram que ainda precisam estudar o tema.
‘Longe demais’
Para o advogado criminalista Alberto Toron, o projeto do senador do PSB vai “longe demais” e desvirtua a natureza da CPI. “É ilusório pensar-se que a CPI vai ficar mais técnica porque pode celebrar acordos de delação. A CPI é política e sempre será”, disse Toron. “Permitir que um órgão político possa colher uma delação é um perigo muito grande.”
Um segundo criminalista que pediu para não ser identificado afirmou que o projeto é algo “bem complicado” e questionou a garantia de sigilo dos acordos de delação premiada, lembrando que as CPIs são compostas por um grupo heterogêneo de parlamentares.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.