O Ministério Público Federal no Rio recorreu ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) para dar prosseguimento à denúncia contra um sargento reformado do Exército por supostos crimes na “Casa da Morte”, em Petrópolis, durante o regime militar. O local foi usado pelo Centro de Informações do Exército (CIE) como aparelho de tortura nos anos de chumbo.
Antônio Waneir Pinheiro de Lima, o “Camarão”, foi denunciado pelo Ministério Público Federal pelos crimes de sequestro, cárcere privado e estupro contra a militante política Inês Etienne Romeu, mas teve a denúncia rejeitada pela 1ª Vara Federal Criminal de Petrópolis em 2017.
Inês foi a única prisioneira política a sair viva do imóvel, afirma a Procuradoria.
O imóvel onde operou a “Casa da Morte” foi desapropriado pela prefeitura de Petrópolis, por recomendação da Procuradoria no Rio.
Ao rejeitar a denúncia, a Justiça Federal destacou que os fatos denunciados estariam enquadrados na Lei da Anistia (Lei 6.683/79) e que o crime estaria prescrito desde 1983. O juiz do caso argumentou que os documentos apresentados “não configurariam provas válidas para um processo penal”.
O Ministério Público Federal recorreu sob a alegação de que a Lei da Anistia não se aplica à conduta do investigado e que os crimes pelos quais “Camarão” é acusado são imprescritíveis.
Segundo a Procuradoria, as violações praticadas pelo sargento são caracterizadas como “crimes de lesa-humanidade pelo Estatuto de Roma – internalizado pelo ordenamento jurídico brasileiro”.
Em relação ao argumento de provas inválidas, sustentado pela Justiça Federal, o Ministério Público Federal alegou que “a palavra da vítima não pode ser desconsiderada, principalmente em caso de crime sexual”.
Apesar de ter sido recebido em Petrópolis, esse primeiro recurso foi retido pela 1.ª Vara Federal Criminal sob a alegação de que alguns trechos do documento estariam em língua estrangeira e necessitariam de tradução.
De acordo com o Ministério Público Federal foram feitos requerimentos para que o processo fosse remetido ao TRF-2, uma vez que “apenas pequenos trechos estão em outro idioma”.
Em nota, o Ministério Público Federal declarou que o Brasil faz parte do Sistema Interamericano de Direitos Humanos “devendo, portanto, acatar as decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, a qual já decidiu recentemente que os Estados não podem, por razões de ordem interna, descumprir obrigações internacionais”.
O caso
Segundo o processo, em 8 de maio de 1971, militares sequestraram Inês Etienne Romeu em São Paulo, mantendo a vítima em cativeiro, e a levaram para a “Casa da Morte”, em Petrópolis.
A denúncia da Procuradoria diz que o encarceramento “terminou apenas em agosto de 1979”.
Etienne era dirigente das organizações Vanguarda Popular Revolucionária – VPR, VAR-Palmares e Polop.
“Entre 7 de julho e 11 de agosto de 1971, “Camarão” manteve a vítima contra sua vontade dentro do centro ilegal de detenção, ameaçando-a, afirmando que a mataria, e utilizando recursos que tornaram impossível a defesa da vítima”, sustenta a Procuradoria.
“Além das torturas reconhecidamente aplicadas como padrão aos presos políticos no regime militar (choques elétricos, pau de arara, cadeira do dragão, espancamento), Etienne sofreu com a maldade de seus carcereiros, que a maltratavam apenas para seu divertimento”, afirma a Procuradoria.
Segundo a denúncia “no inverno de Petrópolis, onde a temperatura podia chegar a menos de 10°C, era obrigada pelos carcereiros a deitar nua no cimento molhado”.
Inês Etienne morreu em Niterói em 27 de abril de 2015. Ela sofreu um enfarte em casa aos 72 anos.
Defesa
A reportagem está tentando contato com a defesa de Antônio Waneir Pinheiro de Lima. O espaço está aberto para manifestação.