O Ministério Público Federal encaminhou uma recomendação à Secretaria de Comunicação (Secom) da Presidência da República em que cobra a imediata suspensão da propaganda “Somos todos Brasil”, que tem como mote a realização dos Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro este ano.

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Para o MPF, a campanha se presta a desinformar os brasileiros sobre a “verdade” por que passa o País bem como estimular no “inconsciente coletivo” um sentimento favorável não só em relação à Olimpíada, mas principalmente a presidente Dilma Rousseff.

Num contundente documento de 27 páginas, o procurador da República em Goiás Ailton Benedito de Souza afirma que a campanha não pode ser qualificada como publicidade institucional nos moldes previstos na Constituição. Segundo ele, o conjunto de ações, que tem sido veiculada desde o dia 23 de dezembro, é “sem sombra de dúvida” de caráter político-ideológico patrimonialista.

“Seu objetivo é estimular na sociedade sentimentos favoráveis à Presidente da República, ao seu governo e à coalização partidária que lhe empresta sustentação, num momento em que, como ‘nunca antes na história deste país’, estão mais fragilizados politicamente, enfrentando elevadíssima rejeição social, inclusive, com processo de impeachment já deflagrado na Câmara dos Deputados, cujo resultado dependerá sobremaneira das manifestações da sociedade que acontecerão nos próximos meses”, sustenta ele, citando na recomendação até o bordão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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Os filmes sobre os Jogos Olímpicos do Rio exploram a ideia de que o País é capaz de se unir em torno de um projeto, apesar de suas divergências. “Mesmo sendo um povo tão diferente, tão misturado, com tantas cores, raças, pensamentos, religiões, somos um povo único, somos todos brasileiros”, diz um dos comerciais.

Em outro trecho, um locutor afirma que “todos estamos convocados para defender o Brasil não apenas nas quadras, pistas, piscinas, estádios (…), mas nas ruas e praças, táxis, praias, bares, restaurantes, em todos os lugares”, pois “agora somos um só time (…), um time de 200 milhões”.

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O procurador deu 10 dias para que a Secom suspenda a campanha, a partir do recebimento da recomendação, proposta no dia 12 de janeiro e que tem caráter extrajudicial. Se isso não ocorrer, ele não descarta mover uma ação na Justiça Federal para barrar a veiculação das peças.

“Prefiro acreditar que a Secom vai responder à recomendação do Ministério Público. Agora evidentemente que, ao expedir a recomendação, o Ministério Público está convicto para usar todos os instrumentos que estão a sua disposição”, afirmou Benedito de Souza, em entrevista ao Broadcast Político, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, ressaltando que agiu de “ofício”, ou seja, por conta própria sem ter sido provocado por uma pessoa ou entidade.

Procurada pela reportagem, a Secom afirmou que não vai comentar.

‘Tom ufanista’

Em sua recomendação, o procurador diz que a campanha contém velada desinformação ao inferir que a organização do evento – previsto para ocorrer daqui a sete meses – tem ocorrido “perfeitamente”. Para ele, o “cidadão é titular do direito fundamental à verdade” e o Estado tem esse dever.

Segundo o procurador, o governo usa um tom “ufanista, patriótico, nacionalista e cívico” na campanha com a finalidade de “imprimir na percepção da sociedade brasileira a marca ‘Somos Todos Brasil'”. “Como se a realização de tal evento tivesse o condão de apagar da vida dos milhões de brasileiros todos nefastos efeitos causados pelas catástrofes econômica, administrativa, social, política, moral que assolam o país, como nunca antes”, diz.

Souza menciona na representação que a presidente Dilma gastou R$ 9 bilhões em publicidade no seu primeiro mandato e que só no ano passado gastou quase R$ 500 milhões com propaganda. Na peça, o procurado chega a citar a atuação de Dilma durante a campanha ao destacar que a então candidata à reeleição usou de propagandas para difundir “por todos os meios midiáticos, a versão fantasiosa de que o Brasil havia-se tornado praticamente o paraíso na terra”.

“Contrariamente à publicidade e propaganda oficiais e à propaganda eleitoral, exsurge inelutável a profunda discrepância entre a realidade sumariada nos números expostos alhures e todo o sofrimento acarretado aos mais de 200 milhões de brasileiros nos últimos anos (…) Tal discrepância aguça a percepção social de que a vitória eleitoral se deveu sobretudo à desinformação da propaganda”, afirma. “Tanto é assim, que, notoriamente, a grande maioria da sociedade tem-se manifestado a favor do impeachment presidencial.”

O procurador cita reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, publicada em março do ano passado, que revelou um documento reservado no qual o então o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Thomas Traumann, admitia “caos político” e criticava a “comunicação errática” do governo. A matéria levou à queda de Traumann.

“Ao listar tais divulgações como ‘erros de estratégia’, sugere-se que fossem ocultados ou ao menos camuflados esses acontecimentos, de forma a chegar ao conhecimento da sociedade de uma forma menos agressiva e mais superficial, a despeito da violação dos princípios da transparência e da publicidade administrativa; de modo a impactar de maneira menos negativa na imagem do governo federal, o que vulnera o princípio da impessoalidade.”

O procurador relatou ao Broadcast Político que já ajuizou duas ações para barrar a veiculação de propagandas do governo – uma em 2014, na época da Copa do Mundo, e outra ano passado, em razão da campanha do governo federal sobre o programa Minha Casa, Minha Vida.

No primeiro caso, a liminar foi negada, ele recorreu, mas a ação perdeu objeto com o fim da Copa. Já ação que questiona a propaganda do programa habitacional ainda está em curso. Ele disse que apura se outras campanhas do governo também estão em desacordo com a legislação.