Diante da notícia de que a filha estava grávida, Richard Benelli – um personagem fictício – ficou pensativo. “Tentei me lembrar de algum namorado estável ou paquera ocasional que Alice tivesse mencionado recentemente, mas nada me ocorreu”, narrou. Logo em seguida, a filha estava aos prantos: “Não é isso o que eu quero, pai”. Havia a possibilidade de que garota tivesse sido, com o auxílio de um sonífero, violentada em uma festa. O protagonista preferiu não invadir a privacidade da filha e, sem grandes informações, a apoiou na decisão de – atenção, spoiler – realizar um aborto.

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O episódio ocupa 13 páginas do romance do deputado federal Luciano Bivar, presidente nacional do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro: 50 Formas de Amar, Uma é Matar será lançado amanhã em São Paulo. Na trama, o personagem criado por Bivar reflete que nunca teve uma posição muito rígida em relação ao aborto. “Aliás, sempre achei que, em determinadas situações, é preciso sim permitir que aconteça.” Apesar de haver hesitação no espaço de alguns parágrafos, nenhuma objeção moral ou religiosa é apresentada.

A obra, publicada no Brasil pela editora M.Books e nos Estados Unidos pela iUniverse, narra o final da vida de Richard, ou Rick, um nova-iorquino de 60 anos que recebe um diagnóstico terminal nas páginas iniciais e se apaixona por Suzie. Ela, por sua vez, é uma psicóloga de 35 anos que chegou a estudar com Alice no ensino médio. Ambos se conhecem de verdade quando ele vai parar no consultório da moça. Os outros dois personagens que mais aparecem na trama são Sharon e Michael, ex-mulher e filho do protagonista. O leitor não chega a conhecer os parentes de Suzie.

Diferentemente de muitos colegas de partido de Bivar, o protagonista por ele idealizado não segue à risca nenhuma doutrina religiosa. Vindo de uma família de católicos que migraram aos Estados Unidos, Rick se considera devoto ao Deus de Spinoza, filósofo holandês do século XVII que se notabilizou, entre outras coisas, pela crítica bíblica moderna. Algumas considerações do pensador sobre o que Deus diria ao homem são citadas textualmente pelos personagens principais nas páginas iniciais do livro: “Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrute tudo que Eu fiz para ti”.

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Dali em diante, os preceitos da igreja de Spinoza ganham, nas ações dos personagens, contornos altamente hedonistas. O par romântico, Rick e Suzie, frequenta inúmeros lugares luxuosos mundo afora – um restaurante francês em Greenwich Village, um hotel à beira do Rio Dei Bareteri, em Veneza; o hotel parisiense Shangri-La, que ocupava um palácio construído por Napoleão – sempre a procura de drinks e pratos, que não chegam a ser descritos ao leitor.

O casal, apreciador do movimento de contracultura dos anos 1960, também protagoniza mais de uma dezena de cenas de sexo explicitamente descritas ao longo do livro, algumas em gigantes surubas internacionais que reúnem a elite de vários países em alguma cidade da Europa ao som de músicas orientais. Há ainda uma menção ao shibari (amarrar), que o livro descreve como “a técnica japonesa de bondage (fetiche erótico) que havia ficado famosa em todo o Ocidente”.

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O foco narrativo se alterna entre o ponto de vista de Rick e o de Suzie, e ambos contam explicitamente ao leitor o que se passa por suas cabeças. O principal conflito deles giram em torno da escolha de se entregar cada vez mais a relação dos dois, visto que ele tem cerca de cinco anos de vida.

O leitor não chega a saber a profissão exata do protagonista, mas ela envolve uma carteira de clientes e a transferência de grandes montantes de dinheiro. Em uma viagem a Los Angeles, Rick explica: “Eu estava ali para fechar um negócio bilionário e nada, absolutamente nada, poderia sair do planejado.” A frase seguinte alivia a eventual tensão do leitor: “O dia seguinte correu ligeiro e exato”. A abastança do personagem é um dos focos da trama, que envolve ajuda financeira a todas as pessoas caras a Rick, às vezes sem que elas saibam.

Avant-garde. Em conversa com o Estado enquanto ainda estava procurando editoras, Bivar disse ter chegado a considerar publicar o livro sob um pseudônimo, dado seu conteúdo avant-garde, que chega inclusive a abordar a possibilidade de eutanásia. No final, optou por usar o seu nome real por estar muito orgulhoso de seu primeiro romance. “O mais importante do livro é um sentimento de que o amor, o querer bem, não depende de sexo, de dinheiro ou de idade. É uma noção diferente do convencional”, disse Bivar sobre a obra.

O político e empresário pernambucano já tinha lançado cinco livros, alguns publicados sob a classificação de autoajuda. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.