Numa campanha na qual candidatos querem ganhar o voto do eleitor dizendo serem capazes de fazer mais pelo Brasil nos próximos quatro anos, os principais candidatos à Presidência devem passar à margem das discussões de temas considerados espinhosos e tabus até outubro. Ao contrário de 2010, quando a legalização do aborto e até o casamento homoafetivo entrou na agenda de campanha, os presidenciáveis farão de tudo para evitar que as chamadas “cascas de banana” ponham em risco a caminho rumo ao Palácio do Planalto.
Inseguros em relação à forma como o eleitorado pode reagir às discussões mais sensíveis, os candidatos nem sequer fazem menção em seus programas aos temas que podem gerar uma repercussão negativa. Entre 10 temas propostos pelo Broadcast Político, serviço em tempo real da Agência Estado, para discussão, os candidatos deixam clara a intenção de não aprofundar suas ideias sobre os seguintes temas: 1) a legalização do aborto; 2) descriminalização do comércio de maconha; 3) privatização de estatais; 4) flexibilização das leis trabalhistas; 5) fim da estabilidade no serviço público; 6) reforma da previdência; 7) indexação do reajuste do salário mínimo com base na inflação; 8) regulação do conteúdo dos meios de comunicação; 9) passe livre no transporte público, uma das principais demandas das manifestações de rua em 2013 e; 10) o fim da gratuidade do ensino em universidades públicas, como vem sendo discutido na Universidade de São Paulo.
“(Privatização) não é objeto (nem do programa, nem do governo). Já foi privatizado o que tinha de privatizar. Petrobras nem pensar”, desconversou o coordenador da campanha de Eduardo Campos (PSB), Carlos Siqueira. Em 2006, a discussão sobre uma possível privatização da Petrobras ganhou força e o então candidato à reeleição pelo PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu pregar no PSDB do ex-presidenciável Geraldo Alckmin o rótulo de privatista.
Em nome da liberdade de expressão, os candidatos costumam negar publicamente qualquer projeto que trate da regulação da mídia, mas nos partidos há quem defenda a proposta que tem a simpatia do PT e que, ainda assim, não foi incorporado pelo programa de Dilma Rousseff. “Ele (Campos) só não pode dizer (que é favorável) porque atrapalha a campanha”, admitiu Roberto Amaral, vice-presidente do PSB. O dirigente alega preocupação com a “emergência do pensamento de direita”, mas oficialmente a sigla diz que o pensamento de Amaral não é majoritário, e que a medida não terá representação no plano de governo de Campos. “Não vamos apresentar uma proposta que suponha uma interferência”, afirmou o coordenador do programa de governo, Maurício Rands.
O PSB ainda não lançou seu plano de governo, mas ao Broadcast Político encaminhou respostas indicando que a maior parte dos temas não serão objetivo de discussão na campanha ou num futuro governo de Eduardo Campos. “O assunto é de natureza pessoal, mas também é assunto de saúde pública. Não será tratado pelo programa. O candidato já respondeu que a legislação existente já é suficiente”, disse Siqueira ao falar sobre a legalização do aborto. O coordenador admitiu que ainda não há uma posição sobre a indexação do salário mínimo e a reforma da previdência, mas que o passe livre no transporte coletivo – uma das demandas das manifestações de 2013 – e a questão trabalhista serão abordados no programa do PSB.
Na campanha de Dilma, a ordem é silenciar-se sobre os temas. “No momento, a campanha está dedicada ao debate com a sociedade das linhas gerais do programa de governo apresentado ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral)”, afirmou a assessoria de imprensa da chapa. Procurado, o coordenador do programa de governo, Alessandro Teixeira, não quis se pronunciar sobre os pontos questionados pela reportagem. “Não vamos entrar neste assunto”, insistiu a assessoria da candidata.
Mesmo tendo procurado cinco dirigentes da campanha e petistas da cúpula, o único a fazer um comentário pontual sobre um tema levantado foi o secretário de Comunicação do PT, José Américo. Ele, contudo, disse que a reforma da previdência não será defendida em um novo governo Dilma. “Isso é tema do Aécio”, provocou.
O coordenador-geral da campanha de Aécio, o senador Agripino Maia (DEM), disse que o plano de governo do tucano é o que foi entregue ao TSE e que, por enquanto, não tem nenhum outro documento com diretrizes que disponham sobre os assuntos levantados pela reportagem. O vice de chapa de Aécio, o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira (SP), também não quis opinar. “Não vou falar em nome da campanha”, afirmou. “Se o partido não tem nenhuma posição, eu tenho a minha sobre muitas coisas”, completou.
No plano de governo, a campanha tucana não trata explicitamente sobre a reforma previdenciária, mas prega ações para diminuir a informalidade e diminuir o déficit por meio do aumento da atividade econômica. “A volta do crescimento com base na atividade do setor privado será importante fator para minorar o avanço do déficit da previdência social, pois provocará o crescimento da receita mais que proporcional ao da despesa”, diz o programa entregue ao TSE.
Outro tema não mencionado pelas campanhas, mas que certamente vai voltar à tona em 2015, é a correção automática do salário mínimo conforme o crescimento da economia brasileira (PIB). O ano que vem será o último que vai vigorar a política do gatilho automático. No máximo, Aécio Neves fala no plano de governo em manter ganhos reais dos salários, mas não diz como. Já na campanha de Campos ainda não há uma posição fechada sobre o tema. No programa de Dilma, por sua vez, ela comemora o fato de ter dado aumentos reais para os assalariados, mas não diz nada sobre o futuro.