Embates jurídicos que já começaram a ser travados nos tribunais colocam em xeque a punição de executivos e ex-executivos das multinacionais do cartel que atuou em licitações públicas de trens e metrô no Estado de São Paulo. A depender do entendimento do Judiciário sobre os temas em questão, mesmo que eventualmente tenham praticado conluio, os altos executivos podem se livrar das penas, que incluem até a possibilidade de prisão – pelo menos nos casos tipificados especificamente como crimes de cartel.
Em disputa estão, por exemplo, a natureza do crime de cartel – se permanente ou não – e a possibilidade de tipificar os ajustes anticompetitivos praticados pelos dirigentes das multinacionais como dois crimes distintos – os executivos foram denunciados por formação de cartel e fraude a licitação. As decisões são fundamentais para a determinação do prazo de prescrição das penas.
Ainda não pacificados pela Justiça brasileira, não muito habituada com os temas relativos a cartel, os temas geram forte controvérsia.
Nas últimas duas semanas, a Justiça decidiu sobre quatro das cinco denúncias criminais oferecidas pelo Ministério Público paulista contra 30 executivos de 12 empresas do cartel. Duas das denúncias, referentes a licitações do Metrô feitas em 2000 (linha 5 – Lilás) e 2005 (linha 2 – Verde) foram rejeitadas integralmente. Uma terceira, de 2001 e 2002 (reforma de trens da CPTM) foi recebida parcialmente. A quarta, de 2008 e 2009 (compra de 384 carros pela CPTM), foi recebida integralmente.
As duas denúncias rejeitadas o foram sob o argumento da prescrição dos crimes. No caso da linha 5, a juíza entendeu que, como a prescrição do crime de cartel se dá em 12 anos, e a licitação ocorreu no ano 2000, prescreveu em 2012.
Na análise do caso da linha 2, o juiz entendeu que a mesma conduta anticompetitiva não poderia tipificar dois crimes distintos, e rechaçou a imputação de cartel, por considerar que este estava inserido na fraude a licitação. Sobre esta, avaliou que a prescrição, de oito anos, se deu em 2013, já que a licitação ocorreu em 2005.
Prazos
O promotor Marcelo Mendroni, autor das denúncias, recorreu à segunda instância, usando o argumento em torno do qual se começará a construir uma jurisprudência, e sob o qual há divergências no mundo inteiro: o de que o cartel é um crime permanente, que não se encerra na data da licitação.
Mendroni avalia que o crime se estende para a duração do contrato, “pois todos os inúmeros atos decorrentes do contrato só se realizaram pelos agentes das empresas consorciadas porque formaram cartel”.
Para o juiz Benedito Roberto Garcia Pozzer, da 7ª Vara Criminal, que decidira pela rejeição, embora os efeitos da formação de cartel possam ser permanentes, os crimes são de natureza instantânea.
Na quarta-feira, em caráter liminar, a segunda instância, justamente por admitir o risco da prescrição, determinou ao juiz Pozzer que revertesse a decisão. “Consubstancia-se na possível impunidade dos agentes (denunciados) pela iminente prescrição da pretensão punitiva, o que frustraria os fins do processo.”
O TJ ainda não decidiu sobre o caso da linha 2 do Metrô. Contudo, terá de se debruçar também sobre a decisão do juiz André Carvalho e Silva de Almeida, da 30ª Vara Criminal, segundo a qual “a mesma conduta não pode tipificar dois crimes distintos (formação de cartel e fraude a licitação)”.
“Ocorre, no caso, o que a doutrina chama por ‘conflito aparente de normas'”, sustentou Almeida. “Percebe-se que eventual ‘cartel’ formado com vistas a fraudar processo licitatório está inserido na ilícita conduta de fraudar a licitação, de modo que, pelo princípio da especialidade, somente este último deve prevalecer”. Os advogados dos executivos do cartel deverão argumentar à Justiça as mesmas teses que os próprios juízes da primeira instância já defenderam.
O promotor Mendroni defende a criação de varas especializadas em crimes de cartel. “São casos que envolvem muita complexidade. As investigações levam meses ou anos. Há intensa correlação de pessoas direta e indiretamente envolvidas, testas-de-ferro, empresas lícitas e de fachada, movimentações financeiras e de bens, acordos, reuniões, fraudes, divisão de tarefas, leniências e colaboração premiada. Essa complexidade escapa das rotineiras funções exercidas pelos magistrados na análise dos crimes comuns.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.