A revista Veja que chega às bancas neste fim de semana joga mais lenha seca na fogueira do mensalão, que estava quase apagada com as punições feitas ou encaminhadas ao Congresso. Segundo a revista, o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza, o pagador do mensalão, sentindo-se emparedado pela CPMI dos Correios, ameaça fazer revelações capazes de dar nova dimensão à crise. E além de complicar o PT, arrasta o PMDB para a lama e revigora a crise política.
A revista garante que Marcos Valério conversou pelo menos três vezes por telefone com o ex-deputado José Borba (PMDB-PR), entre o fim de dezembro até agora. Borba, ex-líder do PMDB na Câmara, renunciou ao mandato em outubro passado quando se descobriu que embolsara R$ 2,1 milhões do valerioduto. Nas conversas com Borba, Valério lembra um acordo selado no começo do escândalo: o PMDB colocaria na CPMI dos Correios um relator que daria proteção ao publicitário, que, em troca, fecharia o bico sobre o envolvimento do partido com o mensalão.
O problema é que Osmar Serraglio (PMDB-PR), o relator da CPMI dos Correios, não fez acordo nenhum e nem quer proteger Marcos Valério. E, assim, Valério ameaça contar o que sabe. A revista ouviu dois senadores que conversaram com Borba. O publicitário ameaça disparar três petardos mortais na direção de PMDB e PT.
E o primeiro é o seguinte: Valério vai contar que, no início do ano passado, repassou dinheiro para que José Borba pudesse ficar como líder do PMDB na Câmara, comprando o apoio da ala oposicionista do partido, que iniciara um movimento para destituí-lo. O segundo é mais forte: Valério afirma que Simone Vasconcelos, a diretora da agência de publicidade SMPB, fazia pagamentos do mensalão também para deputados do PMDB. E o terceiro envolve Lula e Marta Suplicy: Valério avisa que pode revelar detalhes de como, nos primeiros meses de 2004, repassou dinheiro para que José Borba pagasse o apresentador Carlos Massa, o Ratinho.
O apresentador, em troca do dinheiro, passaria a usar seu programa no SBT como palanque para promover o presidente Lula e a então prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, que se encontrava em campanha reeleitoral. Ratinho fez uma longa entrevista com Lula durante um churrasco na Granja do Torto. A entrevista-churrasco foi reprisada várias vezes em seu programa, mas o apresentador negou que recebeu qualquer pagamento.
Bertholdo
Valério, de fato, manteve relações estreitas com José Borba. Um ex-auxiliar do PMDB, que privou da intimidade do ex-deputado, conta que Borba tinha encontros freqüentes com Marcos Valério no hotel Sofitel, no Ibirapuera, em São Paulo. Nesses encontros, além de Borba e Valério, outros dois personagens das sombras costumavam aparecer: o então tesoureiro do PT, Delúbio Soares, e o advogado Roberto Bertholdo, braço-direito de Borba e então membro do conselho de administração da Itaipu.
O advogado Roberto Bertholdo, sendo o principal assessor de José Borba, era o encarregado de operar o mensalão dentro do PMDB. Um ex-aliado de Bertholdo, em conversa de quase cinco horas com a revista Veja, contou detalhes da façanha. Ele diz que Bertholdo distribuía o mensalão a 55 dos 81 deputados do PMDB. Todos os 55 deputados pertenciam à base do governo. A mesada variava entre R$ 15 mil e R$ 200 mil reais, conforme o cacife do deputado mensaleiro. O ex-aliado conta que Bertholdo adorava exercer esse papel e, como trabalhava em nome dos interesses do governo, achava que estava acima da lei.
Gravações de quase 200 horas feitas em 2004 pelo advogado Sérgio Renato Costa Filho, então sócio de Bertholdo no escritório Bertholdo & Costa Advogados, foram parar em poder da Polícia Federal. Como Costa Filho gravou as próprias conversas com Bertholdo, a arapongagem não constitui crime. Mas o material é suficiente para enquadrar o homem da mala do PMDB, Bertholdo, que está preso, em uma fieira de artigos do Código Penal.
Em um dos trechos das gravações, Bertholdo revela ao sócio que está intermediando um acordo entre Ratinho e o PT para que o apresentador fale bem do partido em 2004. "O PT topou pagar. Cinco paus", diz Bertholdo. A polícia acredita que "cinco paus" sejam R$ 5 milhões. Em outro trecho, Bertholdo informa que a negociação conta também com a presença do então tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Como era quem fazia os pagamentos no PMDB, Bertholdo priorizava seu partido quando surgia um conflito de interesses. Um destes caso ocorreu na Itaipu, onde Bertholdo foi conselheiro de 2003 a fevereiro de 2005. Em uma das conversas gravadas pelo sócio, Bertholdo diz que o diretor-geral da Itaipu, o petista Jorge Samek, cobrou US$ 6 milhões de propina da empresa Voith Siemens para perdoar uma dívida de US$ 200 milhões para com a estatal. Ele ficou uma fera ao saber que o PMDB fora excluído da negociata. "Temos que pegar pelo menos três", reagiu Bertholdo.
Voith Siemens teve uma multa perdoada
São Paulo – No caso do envolvimento do direto-rgeral da Itaipu, o petista Jorge Samek, o que torna essa gravação perturbadora é o fato de que a Voith Siemens, de fato, tinha um negócio de quase US$ 200 milhões com a binacional. E, mais que isto: uma dívida sua com a estatal foi perdoada. E "de um modo heterodoxo", diz a revista Veja.
Em 2000, a Voith Siemens comprometeu-se a entregar duas novas turbinas para Itaipu, num negócio de US$ 184,6 milhões, mas não conseguiu cumprir o prazo. Sofreu multa de US$ 2,6 milhões, devidamente paga, mas também tinha de sofrer outra multa, de US$ 18,6 milhões. Esta foi graciosamente perdoada e o prazo de entrega das turbinas foi ampliado. O mimo saiu na forma de um despacho, de três páginas, assinado pelo diretor-geral Jorge Samek. O novo prazo venceu em setembro do ano passado, mas também não foi cumprido.
Aliás, até agora Itaipu espera as turbinas da Voith Siemens, e a multa por esse atraso interminável está hoje em US$ 9 milhões, mas nem um tostão foi pago. Ao ser ouvido pela revista, Samek teria refutado a acusação de pegar propina. "Jamais fiz qualquer acordo nesse sentido", afirma. "Trata-se de um absurdo, uma infâmia, um crime contra a minha honra." A Voith Siemens, por meio de sua assessoria de imprensa, mandou dizer que "não paga propina a nenhuma instituição, pessoa jurídica ou física".
A revista destaca que Jorge Samek integra o seleto grupo de amigos íntimos do presidente Lula. Samek costuma participar de churrascos e festas de revéillon na Granja do Torto. Foi por escolha direta de Lula que ele assumiu a diretoria de Itaipu, onde permanece até hoje. Samek também já foi bastante próximo de Bertholdo. Quando ambos trabalhavam em Itaipu, Samek costumava ir a Brasília de carona com Bertholdo no Citation das caixas de dinheiro.
