Quem quiser sair do Brasil sem ser incomodado, como fez o ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, que fugiu para a Itália em 12 de setembro passado, dois meses antes de ter a ordem de prisão decretada pelo Supremo Tribunal Federal por sua condenação no mensalão, ainda hoje encontra caminho livre na rota que, segundo a Polícia Federal (PF), foi percorrida por ele na escapada. É só cruzar uma rua na fronteira seca de Dionísio Cerqueira, município do oeste de Santa Catarina, e seguir por 1.340 quilômetros de estradas até Buenos Aires, na Argentina.

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Na semana passada, a reportagem do jornal O Estado de S. Paulo percorreu o trecho de Bernardo Irigoyen, cidade argentina irmã de Dionísio Cerqueira, à capital federal. No trajeto não houve paradas obrigatórias ou barreiras policiais para identificação. Segundo as investigações da PF, Pizzolato saiu do Rio e viajou até Dionísio Cerqueira. De lá, seguiu para o aeroporto de Ezeiza, onde, usando passaporte em nome do irmão, Celso – morto em 1978 e enterrado na Quadra 23 do Cemitério de Concórdia (SC), embarcou para Barcelona. A passagem de brasileiros para o solo “hermano”, como teria feito Pizzolato, é uma moleza.

Na divisa, os limites nacionais são apenas marcos de concreto cravados ao longo da Avenida Internacional. A avenida se encontra com dezenas de ruas da vizinha cidade argentina Bernardo Irigoyen. Do lado brasileiro não é obrigatório o registro da saída.

O prédio da aduana de turismo, ao fim da Avenida República Argentina, serve somente para quem está disposto a registrar-se oficialmente na entrada na Argentina. Pelos acordos de cooperação entre os dois países, o Brasil controla os fluxos de cargas na aduana de caminhões, localizada em outro ponto, e a Argentina administra o fluxo de pessoas – estimado em 1 milhão de turistas por ano.

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Pedestres têm caminho livre. Carros têm de ser identificados, mas podem rodar na cidade vizinha sem necessidade do documento de “Permisso” de entrada. Para avançar em segurança, basta estar à bordo de um carro com placa da Argentina.

Sem controle

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Na prefeitura de Dionísio Cerqueira, o prefeito Altair Rittes (PT), que está no quarto mandato, disse que “a passagem na fronteira seca é comum”. Rittes afirmou que não tinha contatos com Pizzolato, petista como ele, ex-dirigente do Sindicato dos Bancários e da CUT em Santa Catarina. Habituado a rodar pela Argentina, que tem estradas melhores do que as brasileiras, Rittes contou que o controle de pessoas deve melhorar porque foi criado o Consórcio Intermunicipal da Fronteira.

“Há plano de instalação de câmeras”, contou. Mas ele admite que o tamanho real do vaivém não se pode saber. Há 3 quilômetros de avenidas, ruas e estradas nas quais a passagem é livre. “Um carro pode passar na aduana, registrar-se oficialmente, rodar umas quadras para a direita e pegar a pessoa que passou a pé na outra rua”, disse Rittes.

A partir de Bernardo Irigoyen, é só contar com a sorte para não ser parado nos raros postos de “Control”. Se estiver em carro argentino, parada somente para abastecer ou dormir, ou quando chega a Buenos Aires, percorrendo os 1.340 quilômetros de estrada pela Ruta (Rodovia) 14.

O trecho mais complicado de asfalto já na Ruta 14, a estrada que leva direto a Buenos Aires, é o das serras e baixadas. Neste trecho, o motorista é obrigado a rodar em baixa velocidade. Atravessando o Estado de Missiones, seguirá sem qualquer fiscalização até Oberá e San José, última cidade antes da entrada no Estado de Corrientes.

Na altura de Virasoro, já em Corrientes, o argentino Luciano Ferreira, neto de brasileiros, que trabalha como “tabaquero” (produtor de fumo) na região, também nem sabia da fuga do ex-diretor do Banco do Brasil condenado no mensalão. Fluente em português, ele contou que a estrada é livre, sem controle rigoroso de polícia. “Por aqui passam muitos brasileiros e não se pode saber quem passa. Só nos postos de fronteira. Eles param mais os carros paraguaios, mas isso é por causa do controle de contrabando”, disse.

A partir deste ponto, as curvas começam a sumir e surgem as retas em belas planícies, até aparecer a estrada duplicada na altura de Paso de Los Libres, vizinha de Uruguaiana. Em alguns trechos da Ruta 14, a proximidade com a fronteira permite ouvir rádio e até encontrar sinal de celular do Brasil.

O primeiro posto de controle com barreira de cones aparece somente na altura do km 479 da Ruta 14, após o trevo de acesso a Libres. Ali os carros passam a 20 km/h, observados por soldados postados no meio da pista. Na sexta-feira, o policial autorizava a passagem dos carros com um rápido aceno. Pelos Estados de Entre Rios e, finalmente, Buenos Aires, é a mesma coisa. A chegada à capital, após mais de 30 horas na estrada, é feita pela Ruta 9 no trevo de Campana.

No sábado, quando a equipe de reportagem do jornal O Estado de S. Paulo embarcou para São Paulo, o procedimento na imigração, como ocorreu com Pizzolato, era de passageiros identificados na máquina digital. Deixavam também outra pista da passagem: a foto. Esse, segundo a PF, o “erro” de Pizzolato. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.