Há pouco mais de um ano, no dia em que o Senado votou a abertura do processo de impeachment contra a então presidente Dilma Rousseff, 11 de maio de 2016, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, foi informado que o ex-executivo da Odebrecht Fernando Migliaccio – que foi um dos chefes do “departamento da propina” do grupo – admitiu, em depoimento na Suíça, ter feito pagamentos diretamente a Mônica Santana para a campanha de 2014 da então presidente, que viria a ser afastada naquela votação.

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Em depoimento em Berna, na Suíça, onde estava preso por tentar encerrar conta e esvaziar o cofre da empresa, Migliaccio fez as primeiras menções a autoridades com prerrogativa de foro, razão que motivou o procurador da República Orlando Martello a interromper a oitiva e procurar imediatamente a Procuradoria-Geral da República solicitando autorização para continuar a audição.

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Devido à prerrogativa de foro, a PGR deveria conduzir a coleta de depoimento. Depois de obter autorização do chefe de gabinete de Janot, Eduardo Pelella, o procurador escreveu para o próprio procurador-geral e obteve, em resposta, aprovação para seguir adiante.

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“Prezado Dr. Orlando Martello, estou ciente de tudo quanto agora relatado por vossa excelência. Autorizo expressamente delegando-lhe as atribuições necessárias para realização da oitiva em meu nome. Convalida desde já todos os atos até agora praticados. De agora em diante vossa excelência passa a agir em nome do Procurador-Geral da República. Bom trabalho”, respondeu Janot ao procurador.

Em mensagem posterior, Orlando Martello informou ao procurador-geral as citações à campanha de Dilma. “Em relação aos fatos relacionados a competência do STF, Migliaccio (pessoa que está sendo ouvida) fez pagamentos diretamente para Mônica Santana para a campanha de 2014 da Presidenta, bem como entregou dinheiro diretamente para o marqueteiro de Gleisi Hoffman (Bruno Gonçalves)”, disse Martello a Janot.

“OK, grato pelo seu trabalho. Vou imprimir nossas mensagens e juntar no termo quando chegar para evitar qualquer dúvida. Faça uma boa viagem”, disse o procurador-geral da República.

A troca de mensagens entre o procurador da República Orlando Martello e Rodrigo Janot está nos autos da delação de Migliaccio. Segundo se pode ler, começou no dia 11 de maio e terminou no dia 12, tal como a votação que afastou Dilma Rousseff da Presidência da República por 6 meses – a perda do mandato foi confirmada em nova votação no dia 31 de agosto.

A assessoria de imprensa do procurador-geral da República disse que “naquele momento, não havia condições de se ter uma avaliação quanto a irregularidades de campanha”.

“Há um ano, o Ministério Público Federal iniciava uma tratativa de colaboração. Algo que durou até agora, haja vista o levantamento do sigilo das petições derivadas das colaborações recentemente. Por isso, naquele momento não havia condições de se ter uma avaliação quanto a irregularidades de campanha”, disse a assessoria de imprensa de Rodrigo Janot.

Campanha

Nos termos de colaboração de Migliaccio tornados públicos na segunda-feira, 15, e antecipados pelo Broadcast Político, o delator narrou uma série de pagamentos de R$ 500 mil a Mônica Moura, que teriam se estendido de 2014 até 2015.

Ele disse que as entregas dos valores eram feitas a pessoas indicadas por Mônica Moura, mulher do ex-marqueteiro do PT João Santana. Mônica apresentou mais detalhes em sua própria delação. Os recursos que a Odebrecht repassava ao casal de marqueteiros eram para a campanha de vários políticos, inclusive no exterior, em países com Angola, República Dominicana, Panamá, Venezuela e El Salvador.

Migliaccio também relatou uma conversa em que a publicitária lhe teria informado que havia “avisado a moça”, em referência à Dilma, sobre depósitos feitos pela empreiteira em contas do casal no exterior.

O ex-executivo contou que, no primeiro semestre de 2015, com a Lava Jato em andamento, foi questionado por Mônica sobre pagamentos em dólares no exterior, em contas mantidas na offshore Shellbill. Migliaccio confirmou a Mônica os depósitos e disse que a publicitária expressou preocupação com as investigações. “Vou avisar a presidente, pois agora tem como chegar (a Lava Jato) na gente”, disse ela, segundo o relato do ex-executivo. “Semanas depois, Mônica Moura informou ao depoente (Migliaccio) que havia avisado ‘a moça’ (Dilma) sobre os pagamentos realizados no exterior pela Odebrecht”, constou do termo do depoimento do delator.

Nos termos de colaboração, o delator descreve os pagamentos como sendo “por fora”, com recursos “não contabilizados”, “provenientes da contabilidade paralela da Odebrecht”.

O relato de Migliaccio tem conexão com informações dadas por Mônica em sua delação, quando ela disse que Dilma sabia dos pagamentos via caixa 2 feitos pela Odebrecht no exterior. Santana e Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht, ambos delatores, também afirmaram que a presidente cassada tinha conhecimento dos depósitos.

O doleiro Alberto Youssef, um dos primeiros delatores da Lava Jato, já havia dito que Dilma sabia do esquema de corrupção na Petrobrás.

Acordo

Fernando Migliaccio entrou na Odebrecht em 1992 e trabalhou de 2008 a 2014 no Setor de Operações Estruturadas, o “Departamento da Propina”, onde foi um dos responsáveis por operar contas da empreiteira no exterior em offshores usadas para pagamento de propina. Ele foi preso em fevereiro de 2016 na Suíça tentando encerrar contas bancárias.

Apesar de as negociações para a delação começarem no primeiro semestre, o acordo de colaboração de Migliaccio só foi encaminhado pela PGR ao Supremo com pedido de homologação no dia 19 de dezembro. Durante a negociação, a PGR também buscava fechar com o pacote de executivos e ex-executivos do grupo baiano que vieram a firmar delação.

A negociação com Migliaccio foi uma carta na manga da Procuradoria-Geral da República na tentativa de convencer o grupo de executivos e ex-executivos a fechar acordo de delação. Firmados em datas diferentes, os acordos foram homologados em conjunto pela presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, no fim de janeiro, após a morte do então relator da Lava Jato na Corte, Teori Zavascki.