As mudanças na política cultural e de publicidade prometidas pelo presidente Jair Bolsonaro no período eleitoral chegaram à Petrobras. A empresa avalia romper contratos firmados nos governos anteriores, principalmente com grandes grupos de teatro e cinema e com a imprensa profissional. Na nova gestão, o dinheiro deve ir para as redes sociais e artistas menos conhecidos, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
A decisão foi mal recebida internamente por executivos da área de comunicação, que interpretaram a medida como interferência política e ideológica. Um deles chegou a entregar o cargo. A principal reclamação é uma suposta falta de critério para definir os novos beneficiados. Até então, o foco eram projetos alinhados com a imagem que a empresa pretende transmitir aos seus consumidores – de inovação, alto potencial e capacidade técnica única. Com esse propósito, a petroleira patrocinou mais de 4 mil projetos culturais desde 2003, quando foi criado o Programa Petrobras Cultural, que passou a ser a maior seleção pública do tipo no País.
Juntas, as áreas de cultura e imprensa consumiram quase R$ 160 milhões da estatal no ano passado. Os gastos com publicidade foram de cerca de R$ 120 milhões e com patrocínios culturais, de R$ 38 milhões. A empresa, por meio de sua assessoria de imprensa, respondeu apenas que “está revisando sua política de patrocínios e seu planejamento de publicidade”. “Os contratos atualmente em vigor estão com seus desembolsos em dia”, afirma a assessoria.
Na mira dos cortes estão contratos ainda vigentes, firmados com grupos culturais de grande visibilidade que recebem verba da estatal há anos. É o caso das companhias de teatro Galpão, de Minas Gerais, que possui contrato ativo de R$ 4,2 milhões até abril de 2020, e Poeira (R$ 1 milhão até fevereiro de 2019), do Rio de Janeiro; da Companhia de Dança Deborah Colker (R$ 4,9 milhões até junho de 2020), do Rio; além da Casa do Choro (R$ 950 mil até março de 2019), no Rio, e o Festival de Cinema do Rio (R$ 750 mil até março de 2019).
Ao todo, a Petrobras tem contratos de patrocínio ativos firmados em gestão e governos anteriores que somam R$ 3,5 bilhões, segundo dados divulgados em seu site. Alguns deles se estendem até 2021.
A migração da verba de cultura e publicidade para as redes sociais e artistas de menor visibilidade já estava decidida. Diante das divergências internas e alertas para os riscos jurídicos, porém, o tema voltou a ser discutido pelos advogados da empresa, que se sustentam no argumento de corte de custos para justificar as mudanças.
A decisão estava encaminhada a ponto de a área técnica começar a ligar para os responsáveis dos projetos com contratos vigentes para avisá-los da reavaliação dos patrocínios. Pelo menos um deles chegou a ser informado de uma possível suspensão do repasse da verba. Mas, preocupada com questionamentos na Justiça, a empresa resolveu reavaliar o tema. O martelo será batido no próximo dia 12, quando acontecerá nova reunião para decidir a dimensão das mudanças.
Publicidade
Entre os patrocinados, o clima é de expectativa. No meio publicitário, é de descrença de que a Petrobras será capaz de alterar sua política de comunicação tão radicalmente. Os publicitários já estavam acostumados com a transformação do perfil de gastos da petroleira na última década, período em que estatal realocou parte do dinheiro que era gasto com mídias tradicionais, como TV e jornais, para a internet, e, com isso, incluiu as redes sociais e veículos menos tradicionais entre os agraciados com orçamentos.
De 2008 a 2017, a verba destinada a sites saltou de R$ 2,4 milhões para R$ 33,2 milhões. No mesmo período, o dinheiro para emissoras de televisão aberta minguou de R$ 133 milhões para R$ 59 milhões. Ainda assim, os veículos tradicionais de comunicação nunca chegaram a sair do radar da empresa.
As sinalizações de mudança surgiram antes mesmo de Bolsonaro tomar posse. Em dezembro, pelo Twitter, já eleito, o presidente antecipou que promoveria um rígido controle das concessões feitas por meio da Lei Rouanet. Em sua opinião, “há um claro desperdício” de recursos que poderiam ser aplicados em outras áreas.
Nos primeiros dias do mandato, o governo cancelou um contrato de R$ 30 milhões com a assessoria de imprensa CDN, que cuidava do Palácio do Planalto no exterior. Cortes nas verbas de publicidade da Caixa e do Banco do Brasil também foram anunciados. Segundo afirmou Bolsonaro nas redes sociais, esses gastos são “uma irresponsabilidade em detrimento das reais demandas dos brasileiros e do Estado”.
Expectativa
A Companhia de Dança Deborah Colker, o grupo teatral Galpão, a Orquestra Petrobras Sinfônica e o Grupo Corpo, de dança, esperam não sofrer mudanças no patrocínio da Petrobras. “Isso porque, no ano passado, cada um acertou novos contratos, alguns com vigência até 2020”, afirma João Elias, diretor executivo de Cia. Deborah Colker. “Mas, se isso acontecer, esperamos que seja apenas uma revisão dos acordos, com alteração nas cifras ou no tempo de validade.”
Elias considera que, se houver modificação no contrato, terá de ser de interesse mútuo. “Pode acontecer de, por exemplo, proporem uma redução do valor, mas um aumento na duração. Aí, faço as contas e vejo se interessa para a companhia.”
Desde 2000 na Cia. de Dança, ele acredita que um dos motivos das mudanças programadas pela Petrobras no sistema de patrocínio é resquício do período eleitoral. “Ainda não se desarmou o espírito de briga que polarizou a campanha do ano passado.”
O investimento na área cultural feito pela Petrobras vem diminuindo com o passar dos anos. O grupo Teatro da Vertigem afirma que desde a gestão de Michel Temer não consegue renovar o contrato que foi encerrado no fim de 2018. “Por conta das eleições, a Petrobras informou que as renovações seriam negociadas posteriormente. O que não aconteceu”, diz a integrante Eliane Monteiro.
Na área de literatura, escritores lamentam a possibilidade do fim de investimentos como o prêmio Petrobras Cultural de Criação Literária. “Sem esse apoio eu dificilmente teria escrito os livros Guia de Ruas Sem Saída e Noite Dentro da Noite”, afirma o escritor Joca Reiners Terron. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.