O ex-gerente jurídico de Abastecimento da Petrobrás Fernando de Castro Sá afirmou em depoimento à Procuradoria Federal que por interferência do cartel de empreiteiras – alvo da Operação Lava Jato -, via Diretoria de Serviços, a estatal deixou de considerar índices pluviométricos para iniciar obras de terraplanagem. A mudança no procedimento elevou os custos de construção da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco. A Abreu e Lima é um dos alvos principais da Lava Jato.

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“Todo mundo sabia que não podia começar terraplanagem naquele momento, pois todo mundo sabia que ia começar o período de chuva em Recife”, afirmou Castro Sá, nova testemunha-bomba da Lava Jato.

As obras de Abreu e Lima, que começaram em 2007 e custaram mais de R$ 24 bilhões, tiveram apontamento de superfaturamento em pelo menos duas frentes de análise técnica do Tribunal de Contas da União (TCU): terraplanagem e aditivos e cláusulas de reajuste contratuais. O ex-gerente jurídico apontou a construção de Abreu e Lima como exemplo da atuação do cartel de empreiteiras na Petrobras, via Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi).

“Foi um caso gravíssimo”, disse.

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Ouvido por mais de duas horas no dia 7 de janeiro por procuradores da força-tarefa criada pelo Ministério Público Federal, Castro Sá revelou que procedimentos internos da estatal foram alterados por interferência da Abemi. A associação foi a origem do cartel, segundo apontaram o ex-gerente de Engenharia Pedro Barusco e o executivo Augusto Mendonça em suas delações.

Segundo denúncia da Lava Jato, um grupo formado por 16 das maiores empreiteiras do País passou a atuar em cartel, pagando propina para vencer contratos na Petrobras, por meio de diretores e gerentes indicados por partidos da base do governo: PT, PMDB e PP. A Abemi, além de berço, serviu de ponte ao cartel para conluio com agentes públicos dentro da estatal – a maior vítima dos escândalos investigados pela força-tarefa.

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Obra seca. Segundo o ex-gerente jurídico, havia um consenso que a obra de Abreu e Lima não começaria em período de chuva, por causa da terraplanagem, técnica usada para aplainar o terreno. Porém, ao assumir o comando da obra, a Diretoria de Serviços teria alterado os padrões de contratação, que anteriormente levavam em contas índices pluviométricos. Pela regra, a Petrobras só pagava indenização por paralisação ou atraso de obra em decorrência de chuva, se essas precipitações fossem acima da média para o período e local.

“Num determinado momento, muda isso na Petrobras. A gente passou a contratar obra seca. A gente parou de levar em conta o índice pluviométrico e assumiu que a gente ia pagar indenização por qualquer chuva. E que isso ia baratear o preço das obras”, explicou o ex-gerente.

O resultado dessa mudança de padrão nas contratações, segundo Castro Sá, foi que “o preço das obras não caiu” e a Petrobras “começou a pagar isso.” Na concepção, as empresas baixariam o preço das propostas, mas, como supostamente havia um cartel, isto não ocorreu.

A força-tarefa da Lava Jato chegou a Castro Sá depois de ele ter sido citado pela ex-gerente executiva de Abastecimento Venina Velosa da Fonseca como um dos funcionários punidos por tentar denunciar o cartel internamente. Castro Sá trabalha na Petrobras desde 1993, tem mestrado na Califórnia e foi um dos quadros da estatal que ajudou a consolidar o Manual de Procedimentos Contratuais. Segundo ele, Duque atuou diretamente para beneficiar as empresas do cartel.

Conflito

A nova testemunha-bomba da Lava Jato narrou aos investigadores que, por conta dos atrasos na obra de Abreu e Lima e concentração de decisões na Diretoria de Serviços, começaram a ocorrer desentendimentos. As diretorias de Abastecimento, de Paulo Roberto Costa, e Serviços, de Renato Duque, chegaram a prestar informações falsas entre elas.

Relata Castro Sá que a área de Abastecimento, responsável pelo orçamento da obra, pediu informações sobre o andamento e o atraso na execução para o setor de Serviços, que fiscalizava as empreiteiras. Com um helicóptero, a Diretoria de Abastecimento sobrevoou a obra para constatar o que havia sido informado.

“O Abastecimento tirou fotos de helicóptero vendo que aquela obra não estava encaminhada ao contrário do que a Engenharia informava que estava a obra naquele momento”, afirmou Castro Sá.

Segundo ele, a interferência do cartel de empreiteiras via Abemi teria chegado ao ponto de a Diretoria de Serviços ter informado não poder cobrar prazos das empreiteiras contratadas por conta da associação.

“Essa é uma discussão entre o Abastecimento e a Engenharia, porque havia atraso no projeto de detalhamento da Rnest. Aí a Diretoria de Serviços diz o seguinte: ‘Não posso cobrar prazo porque tem um acordo com Abemi'”.

Na obra de terraplanagem, primeira fase iniciada em 2007, quem participou foi o Consórcio Refinaria Abreu e Lima, formado pelas construtoras Odebrecht, Galvão Engenharia, Camargo Corrêa e Queiroz Galvão. As empreiteiras negaram enfaticamente superfaturamento nas obras, em outras ocasiões. Sindicância da Petrobras realizada em 2014 apontou que só por esse contrato de terraplanagem, no valor inicial de R$ 429 milhões, o valor total pago foi de R$ 534 milhões, após 17 aditivos assinados.

O ex-gerente jurídico entregou aos procuradores da Lava Jato nota de auditoria da Petrobras feita em 2012 para indicar que o Conselho de Administração não pode alegar desconhecimento dos problemas de preços na Abreu e Lima. “Ninguém pode afirmar que não sabia dos custos dessa refinaria. E pela norma que rege a atividade de auditor, o auditor interno é obrigado a informar isso a área de vinculação dele, que no caso da Petrobras é o Conselho de Administração.”

Abemi

A Abemi informou que faz grupos de trabalho com a Petrobras desde 2002. Nas reuniões, são discutidos pontos técnicos, de segurança, de competitividade. “Se há um problema de corrosão em plataforma, por exemplo. A gente cria um subgrupo que discute ao extremo (a questão), faz recomendações. Do GT participam a área técnica, a área de segurança, a área de tributação, a área jurídica participa em todas as reuniões.”

Ele afirmou que a Abemi nunca alterou normas contratuais da Petrobras e negou que contratos de prestação de serviços da estatal tivessem que ter o crivo. “Fico muito surpreso com o Fernando de Castro Sá falar isso. O jurídico sempre participou das reuniões. O foco da Abemi é a competitividade, a redução de preço e a produtividade. É uma bandeira nossa”, disse.

Segundo o presidente, a Associação acompanha a Operação Lava Jato pela imprensa. “De maneira nenhuma (sabia de suposta cartelização por parte das empreiteiras). Nós gostaríamos que tudo isso fosse resolvido.”

Nesta segunda-feira, 9, os advogados de Duque informaram em nota, sobre supostas alterações contratuais mencionadas pelo ex-gerente da Petrobras, que ele conheceu o advogado Fernando Sá, lotado no Jurídico da estatal. “O Jurídico da empresa não tinha ligação organizacional com a Diretoria de Serviços. Toda e qualquer alteração em minuta contratual somente poderia ser efetuada após a devida análise e parecer favorável do Jurídico da Petrobras.”