Levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), obtido pelo jornal O Estado de São Paulo, aponta que 6 em cada mil magistrados estão sob ameaça no Brasil. Os riscos na atuação profissional são maiores para os juízes de primeira instância – a média sobe para 7 em cada mil – e menores para desembargadores, quando o índice cai para 2 por mil. Ao todo, 30 dos 82 tribunais citados na pesquisa relataram casos de ameaças, contabilizando 110 magistrados em situação de risco no ano passado.

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O estudo do CNJ constatou ainda que 97% das ameaças decorrem da atuação dos magistrados e que o potencial agressor é conhecido em 65% dos casos. E não são apenas os juízes criminais que sofrem ameaças, ofensas e tentativas de intimidação – as áreas de atuação que trazem mais riscos são as Varas de Família, do Trabalho e os casos de violência doméstica.

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“É preciso estar atento, porque ser juiz não é uma profissão qualquer, é uma profissão onde o magistrado vai lidar com a vida das pessoas, decidir a vida delas, e uma das partes do processo sempre perde. É uma arena onde vão disputar bens e direitos e, por conta disso, é normal que haja reação da parte desagradada”, disse a delegada da Polícia Federal Tatiane da Costa Almeida, diretora do Departamento de Segurança Institucional do Poder Judiciário do CNJ.

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O departamento – integrado exclusivamente por mulheres – foi instalado em maio de 2017 pela presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, que definiu o tema como uma das prioridades de sua gestão.Um dos desafios, segundo Tatiane, é disseminar uma “cultura de segurança” entre juízes e desembargadores, que muitas vezes não tomam os devidos cuidados e minimizam o problema.

“Às vezes, um juiz criminal, até pelo fato de estar julgando vários crimes, consegue enxergar riscos e ser mais desconfiado, mas, via de regra, o juiz não está tão preocupado com a própria segurança”, disse a delegada.

De acordo com o estudo do CNJ, os dispositivos mais acionados para dar proteção aos magistrados no ano passado foram reforço de segurança no local de trabalho (45% dos casos), escolta total (35%), veículo blindado (31%), escolta parcial (29%) e colete à prova de balas (15%). Em 4% dos casos, os juízes mudaram de local.

Para conscientizar os magistrados sobre a importância de cuidarem da própria integridade física, a gestão da ministra Cármen Lúcia elaborou um guia com recomendações para os deslocamentos feitos a pé e em veículos, além de dicas para o comportamento no ambiente de trabalho e nas redes sociais.

O CNJ orienta, por exemplo, que os juízes usem itinerários diferentes no trânsito e sejam cuidadosos na divulgação de fotos e vídeos em redes sociais – a recomendação é evitar utilizar a ferramenta de check-in quando estiverem em lugares que costumam frequentar.

Em 18 anos de carreira, o juiz João Humberto Cesário passou pela situação mais delicada de sua vida em 2007, quando atuava na Vara do Trabalho de São Félix do Araguaia (MT), município de 10,5 mil habitantes próximo à divisa com o Tocantins.

O magistrado teve de receber escolta policial por 24 horas e retirar a família da região, conhecida como “Vale dos Esquecidos”, por causa de ameaças veladas ao cuidar do caso de um influente fazendeiro, que envolvia denúncias de trabalho escravo.

“Nessa região, os poderosos não estão acostumados a serem incomodados pelo Estado. Inclusive a decisão de instalar uma vara do trabalho ali foi estratégica, para mostrar que o Estado estava presente e que uma pessoa não pode explorar a outra como bem entenda”, afirmou Cesário.

O juiz recebeu recados de pessoas próximas do fazendeiro, que o alertaram sobre os riscos de tomar uma “decisão ousada” numa “região bruta”. Na época, Cesário condenou o acusado a pagar uma indenização de R$ 1 milhão. “É uma vida muito reclusa e solitária, muito mais perigoso do que a sociedade imagina, porque você não pode se expor muito nem sair na rua, não pode construir círculo de amizade. Você está permanentemente sob tensão, porque está tomando decisões que desagradam às pessoas”, disse o juiz, que passou dois anos e meio na região e hoje atua em outro município.

Risco. Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira, os números do CNJ são “preocupantes”. “Há uma tendência de dizer que a nossa sociedade é pacífica, mas os números mostram o contrário e revelam que a atividade judicial é de risco”, afirmou Oliveira. A AMB defende a criação de um fundo voltado para a segurança dos juízes e dos tribunais (mais informações nesta página).

Uma das regiões mais delicadas na questão da segurança dos magistrados é o Rio – onde a juíza Patrícia Acioli foi assassinada em agosto de 2011 com 21 tiros numa emboscada quando chegava em sua casa de carro. Patrícia atuava na área criminal e havia tomado decisões que desagradaram a grupos criminosos. Onze policiais militares foram condenados pelo Tribunal do Júri de Niterói.

Procurado pela reportagem, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) informou que, “por medidas de segurança, os magistrados foram recomendados a não falar”.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Jayme de Oliveira, diz que o avanço do crime organizado e o aumento dos episódios de agressividade social – pessoas reagindo com mais violência durante a discussão dos casos – explicam os números de magistrados sob ameaça.

O presidente da AMB destaca o episódio ocorrido há dois anos, quando um homem invadiu o Fórum Butantã, na zona oeste de São Paulo, e ameaçou atear fogo numa juíza que atuava na Vara de Violência Doméstica.

Em Mato Grosso, há um caso em que o alvo das ameaças foi o próprio local de serviço da juíza Marta Alice Velho. A Vara do Trabalho de Sorriso, município na região norte do Estado, foi atingida em abril do ano passado por um coquetel molotov que destruiu as instalações.

Depois do atentado, que provocou estragos de R$ 100 mil, o edifício ganhou câmeras de segurança interna, porta giratória com detector de metais e arame no muro. O autor do ataque não foi identificado.

“Foi um atentado à instituição, mas a partir disso acende uma luz vermelha. A gente pensa que o interior é mais tranquilo, mas não necessariamente para o juiz. No interior, o magistrado é uma autoridade identificada, é conhecida pela sociedade, e não tem muito como mudar a rotina”, afirma Marta.

Apesar do susto, os servidores da vara se mobilizaram para garantir que as atividades continuassem, trabalhando de casa. “Não vai ser isso que vai nos derrubar”, diz a juíza.

Entre os poucos casos de ameaças a magistrados que não dizem respeito à atividade profissional, o Estado apurou que há o de uma juíza de uma cidade do interior do Nordeste que é alvo de hostilidades por causa da rivalidade entre diferentes famílias. Ela integra uma das famílias envolvidas em um conflito que se perpetua por gerações. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.