Se todo o delito cometido no país fosse criminalizado, toda a população brasileira já teria sofrido mais de uma condenação. Esta foi uma das avaliações apresentadas por especialistas no painel ?O Judiciário e a Impunidade?, durante o XIX Congresso Brasileiro de Magistrados, ontem, em Curitiba. O professor de direito penal Salo de Carvalho, o advogado Luiz Roberto Barroso e o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça Joaquim Falcão concordaram que a impunidade é um problema cultural do país e que o direito penal não é o mecanismo correto para combater a criminalidade.
Uma das maiores autoridades de direito penal no país, o professor Salo de Carvalho destacou que todo brasileiro já cometeu mais de um tipo de delito, como pirataria, crimes de trânsito, na menor das hipóteses. ?O que temos é uma cifra oculta da criminalidade, em que é feita uma seleção de delitos e pessoas que são criminalizados. Entre as fases da denúncia, investigação, julgamento, condenação e execução da sentença, os crimes realmente punidos são a sobra da sobra, são meros bodes expiatórios?, comentou.
Para ele, se todos os mandados de prisão fossem cumpridos, o Brasil precisaria de um sistema carcerário até quatro vezes maior. ?Se abrissem a porta das prisões, não aumentaria o sentimento de medo, já que a grande maioria dos criminosos segue nas ruas?, acrescentou.
Apesar de acreditar que a penalização não coíbe a criminalidade, Luiz Roberto Barroso ressaltou que a repressão penal legítima, dosada e bem intencionada é ?um mal necessário? para a vida democrática. Para ele, a impunidade é cultural e está ligada ao desapreço do brasileiro à legalidade e à igualdade, à busca constante por privilégios e à cumplicidade entre as classes. ?Quem vê a impunidade como o ladrão ou o seqüestrador soltos, tem uma visão muito egocêntrica. Os crimes econômicos, as fraudes, a sonegação são os crimes com combate, mas é ineficiente no país?, lembrou.
Barroso destacou ainda a falta de condições das polícias, a demora na tramitação dos processos e principalmente as carências do sistema penitenciário como alguns dos fatores que mais contribuem para a impunidade. ?Às vezes, a pena de prisão é até merecida, mas o juiz avalia as condições de vida a que o preso seria submetido (higiene e alimentação inadequadas, violência, exploração), o que impede sua reinserção social, e acaba optando por outra alternativa?, destacou. Ele discorda da idéia de implantação de penas mais severas, alegando que a probabilidade de punição inibe mais o crime que o rigor da punição. ?70% de penas de cinco anos é bem melhor que 20% de penas de 20 anos?, explicou.
Membro do Conselho Nacional de Justiça, Joaquim Falcão acredita que o juiz tem um papel importante para ajudar a reduzir a impunidade. ?Sem alterar a lei, o juiz pode usar a criatividade para ser mais pragmático, coibindo a má-fé dos advogados e das partes envolvidas e incentivando a conciliação para que os processos não se alonguem por muito tempo?, disse. ?Os juízes têm a grande oportunidade de inovar, tornando-se agentes da reforma do Judiciário?, concluiu.
Presidente da mesa, o ministro Castro Filho, do Superior Tribunal de Justiça, encerrou o debate declarando que apenas o desenvolvimento econômico e a adoção de políticas sociais podem conter a criminalidade e diminuir a sensação de impunidade.