O pedreiro Anderson Pires Teles, preso na manhã desta sexta-feira por participação no assalto à casa do coronel reformado do Exército Paulo Malhães, disse à polícia que o irmão, o caseiro Rogério Pires, não sabia dos planos para assaltar o sítio do militar. Rogério trabalhou com Malhães por sete anos e havia sido readmitido duas semanas antes do crime. Ele é acusado de ter passado informações sobre a rotina da casa e facilitar a entrada dos irmãos.
“Informalmente, ele disse que o caseiro não sabia de nada. Só teria descoberto o envolvimento dos irmãos na hora do crime”, afirmou o delegado assistente da Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), William Pena Júnior. O pedreiro não comentou sobre o momento em que Malhães morreu – a perícia apontou que o coronel, que admitiu ter torturado e matado durante a ditadura, morreu por enfarte. “Ele falou muito rapidamente. Ainda não foi ouvido formalmente”.
Anderson foi preso em casa, no bairro de Santa Cruz, na zona oeste. Ele foi encontrado dormindo, segurando uma pistola 9 milímetros com brasão do Exército e não reagiu. Inicialmente, o pedreiro contou que as armas estavam enterradas num sítio ao lado de casa. Ele se ofereceu para escavar o local e pediu que os policiais retirassem sua algema. Nesse momento, Anderson tentou fugir correndo. Ele foi capturado em seguida.
As armas foram encontradas no telhado de uma casa vizinha, onde mora a mãe do pedreiro. “Ela ficou nervosa, fez um escândalo, provavelmente tentando nos afastar do local em que as armas estavam”, contou o delegado. O armamento estava envolto em plástico, com uma etiqueta no nome da irmã de Anderson, Fabiana Pires. “Ela não está sendo investigada. Eles podem ter pego o plástico. A etiqueta é importante para mostrar que as armas estavam realmente em poder dele”.
Além da pistola, os policiais recuperaram dois fuzis, duas escopetas, uma carabina Winchester e uma submetralhadora. Os armas já foram reconhecidas como sendo as que pertenciam ao militar. O delegado informou que o inquérito deve ser encerrado em 15 dias. A polícia ainda procura Rodrigo Pires, outro irmão de Rogério e Anderson. O caseiro Rogério continua preso na carceragem da Divisão Antissequestro, no Leblon, zona sul do Rio.
Treinamento
Também na manhã de hoje, a Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio) divulgou um relatório com a íntegra dos depoimentos prestados em março pelo coronel. Em 23 horas de gravação, o militar revelou que ajudou a deportar perseguidos políticos argentinos. Ele também compartilhou informações e treinou agentes da repressão de Angola, Chile, Uruguai e Argentina.
Malhães disse que percebeu a entrada maciça de exilados argentinos no Rio e resolveu fotografá-los e acompanhá-los. Ele citou o caso de um líder do grupo guerrilheiro Montoneros que foi capturado no Brasil quando seguia em um voo para a Venezuela. Um dublê seguiu para Caracas com o passaporte e os documentos do detido.
Um médico argentino veio ao País e dopou o guerrilheiro que foi engessado e transportado de volta dormindo em um avião, “com atestado de que foi acidentado”.”A gente dava um estalo e dava a solução para o problema”. O militar ainda ganhou “uma porção de frasquinhos” (como o usado no guerrilheiro) que “serviam para várias coisas”, inclusive para fazer uma pessoa ter um enfarte “definitivo”, que “até foram usados pelo Serviço Nacional de Informação (SNI)”.
O coronel afirmou que era amigo íntimo do ex-presidente Emílio Garrastazu Médici, de quem foi segurança, e descreveu uma conversa entre os dois: “Aconteciam problemas, o Médici mandava me chamar (…) no palácio. Ele perguntava, `E aí?’. Eu dizia, `O senhor quer que eu resolva? Eu resolvo’. (Médici respondia) `Então tá, Malhães, resolve'”. O presidente da CEV-Rio, Wadih Damous voltou a questionar a linha investigativa da DHBF (latrocínio). Para ele, “há detalhes que não foram explicados” e a tese de queima de arquivo não pode ser descartada.