O governador Roberto Requião (PMDB) anunciou ontem que irá retomar os repasses de recursos para a Sanepar, que tem R$ 1,3 bilhão em financiamentos já aprovados para investimentos em saneamento.
Requião decidiu liberar as verbas depois que o juiz da 2.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, Luiz Osório Moraes Panza, anulou na última terça-feira os efeitos do pacto de acionistas firmado pelo governo de Jaime Lerner (PSB) com o consórcio Dominó, o sócio privado da empresa que detém 39,7% das ações. Conforme o governo, o acordo transferiu o controle da empresa para a iniciativa privada.
Requião havia interrompido os repasses justificando que o estado não iria assumir financiamentos para beneficiar a iniciativa privada, enquanto vigorasse a decisão do Superior Tribunal de Justiça que concedeu liminar para o grupo privado, revalidando o pacto. O acordo havia sido anulado por decreto de Requião assinado em 2003, quando tomou posse e discordou da conformação de poder na empresa. Logo depois, o consórcio Dominó, formado pelo Banco Opportunity, a empreiteira Andrade Gutierrez e o grupo Vivendi recorreu à Justiça. A decisão anterior do STJ restabeleceu a vigência do pacto.
Decreto revogado
O juiz da 2.ª Vara acatou uma ação ordinária de “nulidade de acordo de acionistas” ajuízada pelo governo do Estado. Conforme o procurador-geral, Sérgio Botto de Lacerda, o governo mudou a estratégia que vinha norteando a condução jurídica do caso. Botto de Lacerda explicou que o governo desistiu de insistir na anulação do pacto de acionistas por decreto. O procurador não informou quando, mas informou que o governador revogou o decreto que assinou em 2003. Esse foi o primeiro passo. O segundo foi entrar com a ação ordinária pedindo a nulidade do acordo. Por meio de uma medida liminar de antecipação de tutela, o juiz suspendeu os efeitos do acordo.
De acordo com o procurador, com a revogação do decreto 452, a ação do Consórcio Dominó no Superior Tribunal de Justiça perde o efeito. “O mandado de segurança e a medida cautelar que se encontram no Superior Tribunal de Justiça, e que se limitam a discutir o decreto 452, ficaram sem objeto, no momento em que o decreto que anulava o pacto foi revogado.”
Ao obter a decisão favorável da 2.ª Vara, o governo do Estado também suspendeu, por enquanto, a intenção de anular o acordo por meio de iniciativa legislativa. O governo estudava a hipótese de remeter à Assembléia Legislativa um projeto revogando o pacto de acionistas.
O Estado procurou ontem a assessoria do Consórcio Dominó, em São Paulo. A assessoria informou que o grupo não se pronunciaria, por enquanto, sobre a decisão da 2.ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba.
Para entender o caso
– Em 1997 foi autorizada a venda de até 40% das ações para o público em geral pela Lei Estadual 11.963.
– A Lei exigiu que o Estado mantivesse no mínimo 60% das ações para manter o controle absoluto da companhia. Sendo assim, 39,71% das ações foram compradas em leilão pelo grupo financeiro denominado Dominó Holding S/A, integrado pela construtora Andrade Gutierrez, pelo Banco Opportunity e pelo grupo francês Vivendi.
– Meses após a negociação, no dia 04 de setembro de 1998, a Holding convenceu o Estado a selar um acordo de acionistas. Com a assinatura do acordo, o Estado abdicou do seu poder de controle majoritário. Com isso, entre outras coisas, o Estado ficou impedido de aumentar o capital da companhia mesmo que houvesse necessidade, não pôde mais decidir o que fazer com os lucros da empresa e até mesmo a remuneração de conselheiros e diretores ficou a cargo da Holding.
– O governador Roberto Requião assinou decreto n.º 452, de 13 de fevereiro de 2003, declarando nulo o acordo de acionistas, devolvendo ao Estado o controle de gestão da Sanepar.
– Segundo a Procuradora Geral do Estado, o acordo era ineficaz porque tinha várias falhas legais, como a falta da assinatura do então governador do Estado, Jaime Lerner. Segundo a lei, a celebração de acordos é privativa ao governador, mas foi feita pelo então secretário da Fazenda, Giovani Gionédis.
– Outro ponto questionado pela Procuradoria Geral do Estado é a violação em inúmeras cláusulas do princípio da indisponibilidade do interesse público, já que o acordo é explícito ao declarar que o principal objetivo da Sanepar é a geração de lucros, e não a prestação de serviço ao consumidor.
– O grupo privado impetrou mandado de segurança contra o decreto, mas o Tribunal de Justiça do Paraná negou o pedido por 16 votos contra 3.
– A 2ª turma do Superior Tribunal de Justiça acata pedido dos sócios privados e restabelece o pacto de acionistas em 17/08/04.
– No dia 14/09/04 o juiz Luiz Osório Moraes Panza, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, concede liminar suspendendo novamente o pacto de acionistas.
Prefeitos elogiam decisão
A suspensão do pacto de acionistas da Sanepar foi bem recebida pela Associação dos Municípios do Paraná (AMP), que reúne as 399 cidades paranaenses. Segundo o presidente da AMP e prefeito de Barracão, Joarez Henrichs (PFL), “água não se vende, não se negocia”. Henrichs lembrou que desde que a empresa vendeu ações para investidores privados, os municípios não receberam investimentos.
Henrichs enfatizou que nem nas áreas urbanas e tão pouco em áreas rurais houve preocupação com saneamento. “Nos últimos anos, não foi colocado sequer um metro de cano nas áreas rurais. Os investimentos foram insignificantes”, criticou. No entanto, após o rompimento do pacto de acionistas em 2003, o prefeito disse que os investimentos retornaram.
“A partir de então, já houve melhora no atendimento aos municípios. A nova postura do governo fez com que a população voltasse a ter voto e voz na Sanepar”, disse. Quando o Superior Tribunal de Justiça restabeleceu o pacto de acionistas, em agosto passado, a AMP chegou a publicar um manifesto pedindo aos municípios paranaenses que não renovassem os contratos de concessão com a empresa caso o controle da Sanepar ficasse com os sócios privados.
O prefeito de Cascavel, Edgar Bueno, confirmou que não houve investimentos em saneamento nos últimos anos. “Não se pode admitir que a Sanepar fique na mão de grupos privados, sobretudo estrangeiros”, disse. Segundo Bueno, os contratos de concessão para prestação de serviços de saneamento básico deve ser comandado pelo Estado ou então serem municipalizados.
Decreto
Em Londrina, a decisão foi a mesma. O prefeito Nedson Micheleti assinou um decreto permitindo a exploração dos serviços pela Sanepar até setembro deste ano. Segundo o prefeito, o contrato só será renovado se o controle da empresa ficar nas mãos do governo.
Os serviços prestados pela Sanepar em Londrina e Cascavel representam 10% do faturamento da Sanepar. A receita de Londrina em 2003 foi de R$ 79,66 milhões e de R$ 34,92 milhões até maio deste ano. A de Cascavel no ano passado foi de R$ 27,70 milhões e a parcial até maio deste ano foi de R$ 13,21 milhões.
Entidades apóiam Justiça
A decisão do juiz Osório Panza recebeu também o apoio de várias entidades. “A Sanepar não é uma fábrica de cerveja para visar lucros, como queriam os sócios privados”, disse o diretor do Sindicato dos Engenheiros, Dirceu Lopes dos Santos Filho. O diretor enfatizou que o Estado como sócio majoritário deve ter o controle da Sanepar. “O Sindicato está satisfeito com a retomada da legalidade. É bom ver a lei sendo cumprida”, disse o diretor, para quem o serviço de água e esgoto é essencial e não deve visar lucros.
Dirceu também comentou a retomada de programas sociais. “Era tanta burocracia que isso impossibilitava o acesso da população carente à Tarifa Social”, disse Dirceu. Segundo ele, a retomada da administração da Sanepar pelo Estado possibilita que a população carente receba serviço de saneamento e água de qualidade. “A Sanepar não deve visar lucros, deve promover o bem-estar público, levando seus serviços a todos que precisam, inclusive aos que não podem pagar”, lembrou o diretor do Sindicato.
Para César Luis Viera, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Urbana do Estado do Paraná, a retomada é muito importante e trará melhorias na qualidade dos serviços. “Na época em que os acionistas minoritários administravam a empresa, a qualidade dos serviços prestados caiu muito devido à terceirização de várias áreas”, afirmou Viera. Além disso, a empresa retomou os investimentos na área social, como por exemplo a implantação da Tarifa Social.