Foto: Edson Jansen/O Estado do Paraná |
Bento Munhoz da Rocha: biografia do jornalista Vanderlei Rebelo resgata a vida do político, intelectual e professor. continua após a publicidade |
No dia 17 de dezembro comemora-se o centenário de nascimento do ex-governador paranaense Bento Munhoz da Rocha Neto, que será lembrado com uma série de eventos, entre eles o lançamento de uma biografia escrita pelo jornalista Vanderlei Rebelo. O jornalista passou dois anos fazendo pesquisas em arquivos, álbuns de recortes de jornal, publicações e entrevistando pessoas, para reconstruir a vida pública do ex-governador que lutou para integrar o Paraná.
Para o biógrafo do ex-governador, Bento Munhoz da Rocha unificou o Paraná física e psicologicamente. A implantação de um Plano Rodoviário Estadual e a construção do Centro Cívico são bons exemplos dos esforços de Bento Munhoz, que governou o Paraná entre 1951 e 1954, para integrar o Estado. "Sua administração foi um grande marco de modernização e contribuiu na formação da identidade do Estado. Em sua gestão, houve a consolidação de Curitiba como capital de todos os paranaenses", afirma.
Rebelo afirma que, como engenheiro, Munhoz da Rocha pensou uma integração estadual de forma a ligar os núcleos urbanos do interior, que eram escassos. Segundo o jornalista, a preocupação do governador com as estradas era a de facilitar e melhorar o escoamento das safras, o que julgava vital para a economia do Estado. "Era preciso estabelecer ligações menos precárias que as existentes entre o Norte produtor e o porto de Paranaguá. Boa parte da produção era escoada pelo porto de Santos e o dinheiro não ficava aqui", explica.
Na Constituinte
Antes de ser governador, Bento Munhoz participou ativamente da vida pública, sendo eleito deputado constituinte em 1945 e lutando para a extinção do Território Federal do Iguaçu, que havia sido criado pela ditadura de Getúlio Vargas, ocupando um terço do Paraná e parte de Santa Catarina. Segundo Rebelo, como deputado, Bento Munhoz ficou em evidência na Câmara, sendo sempre um defensor da democracia. "Era anticomunista, mas era também um conservador esclarecido", diz o biógrafo.
Um episódio que ilustra a conduta política de Bento Munhoz é o que se refere à declaração de ilegalidade do PCB (Partido Comunista do Brasil), em 1947. Uma vez fechado o partido, explica Rebelo, os parlamentares queriam cassar os mandatos dos deputados comunistas. "Bento Munhoz foi ao plenário e os defendeu", afirma. Em seu discurso Bento Munhoz disse: "Com a extinção dos mandatos abrimos uma brecha de conseqüências imprevisíveis na nossa evolução democrática, prejudicando, talvez irremediavelmente a nossa ainda incipiente estruturação democrática, sem beneficiar a enorme empreitada de combater democraticamente o comunismo". Não adiantou. Carlos Marighela, Jorge Amado e outros foram cassados.
Administração pública
Ao chegar ao governo do Estado em 1951 apoiado numa coligação de partidos ampla, que incluía o PR (Partido Republicano) e a UDN, Munhoz da Rocha estava disposto a colocar em prática o slogan de campanha, dignificando a função pública. Rebelo afirma que como governador pôs em prática uma austeridade fiscal, absolutamente avesso à populismo e demagogia. "Detestava promessas em palanque. Em 1946, quando perdeu as eleições para Moysés Lupion, não fez promessas. Na eleição que ganhou em 1950 também não", conta.
Como conservador progressista, afirma o biógrafo, em 1954 Munhoz da Rocha criou a Copel. "Ele dizia que empresas particulares jamais iam investir em energia elétrica e, se investissem, só iriam fazer isso onde havia pessoas de maior poder aquisitivo".
Rebelo conta que nesse mesmo ano, o presidente Café Filho de quem Bento Munhoz era muito amigo, o convida para ser Ministro da Agricultura. Bento Munhoz desliga-se então do seu mandato de governador e aceita o convite para o ministério. Segundo o biógrafo, Café Filho queria que Bento Munhoz integrasse uma chapa para a presidência da república, possivelmente como vice-presidente, mas isso foi mal-sucedido, por uma oposição articulada por Carlos Lacerda.
Bento Munhoz foi ainda deputado federal em 1958. No final da década de sessenta, conforme diz seu biógrafo, foi ficando longe das urnas, perto da unanimidade. Veio a falecer em 12 de novembro de 1978, por problemas respiratórios.
Bento construiu o Centro Cívico e o Guaíra
Na biblioteca pública acontecerão atos comemorativos no dia seis, quando haverá, às 18h, o lançamento dos livros "Bento Munhoz, história de uma inteligência", do escritor Paulo Amador e "Bento Munhoz da Rocha, um intelectual na correnteza política", de Vanderlei Rebelo. O deputado Rafael Greca, autor da apresentação do livro Rebelo, recorda que Bento Munhoz foi o governador durante o centenário do Paraná, e enfrentou dificuldades econômicas provocadas por uma forte geada. "Mesmo assim levou a bom termo a construção do Centro Cívico de Curitiba, da Biblioteca Pública do Paraná, do Teatro Guaíra e de 100 postos de puericultura, na capital e no interior", diz ele.
Greca recorda que Bento Munhoz trouxe para o Paraná a moderna imigração, como o caso dos holandeses em Castro, dos alemães em Entre-Rios, russos em Witmarsum, menonitas no Boqueirão. "Sabia que, para sermos modernos, precisávamos aprender a ser eternos", diz Greca. Além disso, Bento também pregou e incentivou a preservação da nossa memória. O deputado chega a comparar a obra sociológica do ex-governador à de Wilson Martins e Gilberto Freire.
Rebelo teve a idéia de preparar o livro na época em que estava escrevendo a biografia de Ney Braga, concluída em 2003 e publicada em 2004. Segundo o jornalista, o ex-deputado Norton Macedo propôs a ele, que se fizesse a biografia de Ney Braga, abriria seu arquivo particular, rico em documentos e registros da vida política paranaense das décadas de cinqüenta, sessenta e setenta.
Enquanto escrevia sobre Ney Braga, Rebelo lembrou que em 2005 se daria os cem anos de nascimento do político de família tradicional de Paranaguá, filho do ex-presidente do Paraná (na época o equivalente a governador do Estado) Caetano Munhoz da Rocha e de Olga Carneiro de Souza Munhoz. ?Eu pensei, tenho dois anos, se eu trabalhar nesse material intensamente, posso publicar?, disse.
"Então conversei com o filho de Bento, Caetano Munhoz da Rocha Neto, que me ajudou com os arquivos familiares durante mais de um ano", afirmou. A família de Bento Munhoz, diz Rebelo, emprestou-lhe cerca de 130 álbuns, cada um com 200 a 300 páginas, com recortes de jornais, cartas, documentos públicos, bilhetes e cartazes de propaganda eleitoral.
O jornalista conta que conversou com várias pessoas próximas a Bento Munhoz, como João Féder, a viúva do ex-governador Flora Munhoz da Rocha e Norton Macedo. Ao total foram mais de 20 pessoas entrevistadas na tentativa de reconstituir a história do ex-governador. O trabalho foi concluído, diz Rebelo, em agosto desse ano e foi fruto de uma produção diletante, pois redigia a obra quando voltava para casa à noite, ao final do trabalho.
Uma dificuldade que Rebelo encontrou foi a consulta a publicações sobre a política paranaense. Segundo ele, são raros os títulos disponíveis. "Nas universidades você encontra várias teses e dissertações. É uma questão importante observar que a bibliografia da política paranaense do século XX é muito escassa", reflete o jornalista.
Solenidade
Como parte das comemorações dos 100 anos de nascimento de Bento Munhoz, acontecerá também solenidade conjunta de várias entidades como Academia Paranaense de Letras, Círculo de Estudos Bandeirantes e Pontifícia Universidade Católica do Paraná, no auditório Paul Garfunkel. E no dia sete, às 15h, no plenário da Assembléia Legislativa do Paraná, haverá sessão solene proposta pelo Deputado Rafael Greca de Macedo. Após o ato, será inaugurado um monumento em homenagem a Bento Munhoz.
Ele admirava o êxito da democracia nos EUA
Embora Bento Munhoz da Rocha tivesse se formado em engenharia civil pela Universidade do Paraná, possuía uma formação muito ligada às humanidades, afirma o jornalista Vanderlei Rebelo. "Foi professor de várias disciplinas na Universidade do Paraná e da Universidade Católica. Era leitor de pensadores cristãos como Santo Tomás de Aquino e procurava opor a filosofia tomista ao Marxismo", explica.
Essa ligação com as ciências humanas, diz Rebelo, foi usada por Bento Munhoz como suporte para reformas políticas. No campo da educação, segundo o jornalista, Bento Munhoz defendeu a integração e a federalização da Universidade do Paraná, contribuindo para sua consolidação com doação de terrenos e investimentos do Estado. "Ele considerava importante a disseminação de cultura e educação para a formação paranaense".
Publicações
De acordo com Rebelo, em 1928, Bento Munhoz entrou para o Círculo de Estudos Bandeirantes, um grupo de intelectuais católicos, que faziam oposição à outro grupo, dos Neo-Pitagóricos, criado por Dario Veloso no início do século. E então começa a publicar artigos, tendo o ponto mais alto a publicação do ensaio sociológico ?Uma Interpretação das Américas?, em que defende a tese de que a herança cultural e espiritual do continente estava ligada à Europa. "Teve imensa repercussão no país. Temístocles Linhares criticou, dizendo que o ensaio esquecia a mestiçagem. O que concordo. No fundo Bento Munhoz queria colocar que o destino do Brasil era a democracia, como acontecia nos Estados Unidos, e se confirma hoje", diz Rebelo.