Flávia Piovesan deixou na quarta-feira (1º) a Secretaria Nacional de Cidadania do governo Michel Temer após exoneração publicada no Diário Oficial da União. Embora não esteja expresso formalmente, e após suas críticas à portaria de fiscalização do trabalho em condições análogas à escravidão, ela afirmou ao Estado que saiu “a pedido”. “Tenho em mãos o ofício que entreguei à ministra de Direitos Humanos (Luislinda Valois) e encaminhei uma carta ao presidente da República.”

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Professora de Direito Constitucional e Direitos Humanos da PUC-SP, procuradora do Estado e eleita membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), a agora ex-secretária chegou ao governo em maio do ano passado como titular dos Direitos Humanos (depois Cidadania), após o afastamento da presidente cassada Dilma Rousseff. “Todos os dias neste um ano e meio foram instáveis, turbulentos, com tempestades e incêndios”, disse.

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Orientanda de Temer e uma das maiores especialistas em Direitos Humanos do Brasil, Flávia afirmou que não sofreu qualquer pressão em razão de seus posicionamentos. “Gostaria de expressar minha gratidão, meu respeito (ao presidente), porque sempre foi resguardada minha independência. Eu realmente tive carta-branca na pasta.” Ela, porém, admitiu tensões no governo: “Houve batalhas que nós perdemos e houve batalhas que nós ganhamos”. Leia trechos da entrevista de Flávia, que, em janeiro, vai assumir seu posto na OEA, em Washington, para um mandato de quatro anos:

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Após as críticas à portaria da fiscalização ao trabalho em condições análogas à escravidão, a exoneração não contém “a pedido”. Como foi sua saída?

Foi a pedido. Tenho em mãos o ofício que entreguei à ministra de Direitos Humanos (Luislinda Valois) na quinta-feira, entreguei em mãos, formalizando meu pedido de exoneração. Eu havia proposto permanência até dia 31 de outubro. Encaminhei uma carta ao presidente da República (Michel Temer) que foi protocolada na terça-feira. Eu estou pedindo faz tempo audiência para me despedir, mas está tudo confuso.

Houve alguma reação dentro do governo em relação a suas declarações contra a portaria do Ministério do Trabalho?

Não houve. Claro que a política de direitos humanos é sempre tensa, há jogos de poderes. Em qualquer governo, defender direitos humanos é difícil. A nossa escolha é sempre a favor dos mais vulneráveis, daqueles que não têm voz, e muitas vezes nós tivemos tensionamentos no campo intragovernamental, interinstitucional, federativo e com a sociedade civil. Por parte do presidente da República, gostaria de expressar minha gratidão, meu respeito, porque sempre foi resguardada minha independência. Eu realmente tive carta-branca na pasta. Eu tenho grande respeito ao presidente, porque ele sempre manteve a minha independência.

Não houve nenhuma queixa?

Não, nunca. Tensões há. Houve só duas tensões explícitas.

Quais tensões explícitas?

A primeira foi com o Ministério do Trabalho. Houve uma tensão no ano passado sobre a lista suja do trabalho escravo. Sempre defendi a publicidade porque a lista é um mecanismo aplaudido pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) como eficaz para a prevenção do trabalho escravo. Então, houve tensão, porque não chegamos a um consenso. O ministro (do Trabalho, Ronaldo Nogueira) apontava uma série de entraves, dizendo que a divulgação impacta a saúde econômica do País. Mas hoje não se pode admitir trabalho escravo e infantil na cadeia produtiva, isso não é competitivo para o mercado. Uma outra tensão foi quando tentamos barrar o projeto de lei que alargava a jurisdição dos militares em crimes contra civis durante a Olimpíada, mas infelizmente houve ampliação desse PL (projeto de lei) e foi retirada a expressão Olimpíada para que fosse ampliado e aprovado. Eu lamento. Há derrotas e há avanços. Houve batalhas que nós perdemos e houve batalhas que ganhamos.

Qual sua avaliação final?

Nunca tive o luxo de ter um céu de brigadeiro. Todos os dias neste um ano e meio foram instáveis, turbulentos, com tempestades e incêndios. Saio com minha consciência tranquila, porque eu fiz o meu melhor, apesar de todas as nossas limitações. A nossa equipe era muito técnica, sempre trabalhando com base na Constituição, nos tratados de direitos humanos, na jurisprudência. Fui recebida com cartazes de protesto, com um caixão, aos gritos de “governo golpista”, mas estou muito feliz porque ontem (anteontem, 31) esses servidores expressaram o reconhecimento do nosso trabalho em equipe. A causa (dos direitos humanos) me levou àquela tempestade, ao governo, e a causa me tirou, porque agora a causa é na OEA.

Já está licenciada da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo para seguir para a OEA?

A Procuradoria já aprovou por unanimidade (a licença). Fico feliz que tenha dado tudo certo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.