As enchentes diárias em São Paulo desde dezembro e o aumento concomitante do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e da tarifa de ônibus “liquidaram de vez” a popularidade conquistada pelo prefeito Gilberto Kassab (DEM) nas eleições de 2008, quando foi reeleito com 61% dos votos. De acordo com analistas ouvidos pela Agência Estado, as más notícias desse início de ano somaram-se na cabeça do paulistano à memória de medidas impopulares e cortes no orçamento feitos em 2009. “Kassab perdeu a aura de prefeito presente e esforçado que ganhou durante as eleições”, disse o cientista político Rubens Figueiredo, da Universidade de São Paulo (USP).

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O porcentual de votos obtido por Kassab nas últimas eleições foi proporcional ao nível de aprovação da gestão em outubro de 2008, de 61% – índice mais alto alcançado por ele. Antes da campanha eleitoral, em março de 2008, a popularidade de Kassab era de 38%, muito próxima ao porcentual registrado em dezembro de 2009, de 39%, segundo dados do Instituto Datafolha. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) divulgada na semana passada mostrou um cenário ainda mais complicado para o prefeito de São Paulo. A aprovação de Kassab caiu de 46%, em novembro de 2008, para 28%, em dezembro de 2009.

“Na cabeça do eleitor, Kassab era uma novidade boa, um bom administrador. A campanha eleitoral de 2008 foi o ápice. Ele conseguiu, com a ajuda de uma propaganda muito bem-feita, mostrar-se como um prefeito que, acima de tudo, tentava acertar”, analisou Figueiredo. “De repente, ele começa a dar problema e entra numa baixa acentuada de popularidade. Pior do que está, não pode ficar.”

Apesar de não admitir o desgaste, Kassab tem se esforçado em mostrar presença e preocupação com os moradores de bairros alagados. Se nos primeiros dias de inundação, o prefeito ficou ausente, agora visita mais de uma vez por semana as regiões atingidas, como o Jardim Pantanal, na zona leste – mesmo que para isso tenha de enfrentar vaias.

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Questionado ontem sobre como pretendia recuperar o prejuízo de imagem, Kassab respondeu: “A preocupação agora é fazer tudo o que é correto. Não tem nenhuma preocupação em relação a outra questão que não seja a saúde e a segurança das pessoas.”

Aproximação

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Para o doutor em Ciência Política José Paulo Martins Júnior, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp), o prefeito fez o possível para amenizar o desgaste causado pelos alagamentos. “A chuva não é um fato político, mas as pessoas transferem essa responsabilidade para o prefeito”, disse. “Kassab mostrou que dá a cara a tapa, indo até a locais alagados, onde, certamente, não seria bem-recebido. Essa exposição, apesar dos riscos, é positiva, pois mostra disposição e uma tentativa de se aproximar do povo.”

O cientista político Humberto Dantas, conselheiro do Movimento Voto Consciente, afirma acreditar que o prefeito da capital paulista resvalou na hora de dar explicações sobre as enxurradas. “De fato, nunca choveu tanto na cidade, mas o prefeito não pode, simplesmente, dar uma desculpa óbvia como essa”, afirmou. “Também não pode colocar a culpa no crescimento desordenado, uma questão que é obrigação constitucional da Prefeitura e do prefeito atual resolver.”

Os reajustes do IPTU e da tarifa de ônibus são vistos pelos especialistas como medidas negativas, mas necessárias, que foram tomadas agora de forma estratégica. “A hora de fazer ‘maldade’ é no início do mandato. Ele congelou o preço das passagens antes das eleições. Se não subisse agora, teria de aumentar os subsídios às empresas de transporte ou diminuir a qualidade do serviço”, disse Figueiredo.

Caixa

Dantas analisa que Kassab prepara terreno para ter governabilidade e caixa – daí o acréscimo do imposto agora – no fim do mandato, quando definirá o futuro político. Principal líder do DEM no País, o prefeito da capital paulista tem, na opinião dele, obrigação partidária de fazer dar certo a administração municipal. “O timing político de Kassab não é 2010. É 2012. Só com uma boa gestão, ele pode garantir, por exemplo, planos de tentar o governo do Estado em 2014 e conquistar mais espaço no Executivo para seu partido.”

Para Dantas, medidas como essa são tomadas apenas uma vez ao longo do mandato e, por isso, o prefeito deve reverter a tendência de queda na popularidade no segundo semestre. “O momento do desgaste é agora. Governo que não se desgasta não trabalha.” Opinião semelhante tem Martins Júnior: “O eleitor é flexível. Se Kassab mostrar serviço e disposição, em seis meses, o desgaste passa.”

José Serra

Na opinião dos especialistas, a impopularidade momentânea de Kassab pode até respingar no padrinho político, o governador José Serra (PSDB), possível candidato a presidente, mas não será um fator decisivo nas eleições deste ano. “Não há muito o que o PT possa explorar, pois o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva também aumentou impostos e tarifas”, afirmou Dantas. “Além disso, existe uma inclinação dos marqueteiros a só usar tragédias para pedir votos em último caso.” Desde dezembro, mais de 60 pessoas morreram no Estado em deslizamentos e acidentes causados pelas chuvas.

Além das recentes ampliações de imposto e de tarifa de ônibus, ao longo de 2009, ano da crise econômica mundial, Kassab viu-se obrigado a promover cortes nos gastos do Poder Executivo municipal e suspender grandes projetos. Entre outras áreas, mexeu nas verbas para varrição da cidade e merenda das creches municipais – a intenção era reduzir para quatro as cinco refeições recebidas pelas crianças. A reação da população foi imediata e o prefeito recuou das decisões em poucos dias. Mesmo assim, saiu desgastado.

Outro obstáculo crônico da cidade, a exemplo das enchentes, ao qual Kassab teve dificuldade de mostrar resposta, foi o trânsito. O democrata lançou mão em agosto de 2009 de uma restrição à circulação de ônibus fretados para tentar diminuir os congestionamentos nas principais vias do centro expandido. A rejeição à lei por 52% da população, mensurada na época pelo Datafolha, ficou expressa em protestos de centenas de trabalhadores no horário do fim de expediente. Kassab abriu exceções para o tráfego dos ônibus, mas manteve a medida.