Braço direito do presidente Michel Temer, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, é processado em ação que contesta a posse de uma propriedade que ele reivindica em Palmares do Sul, no litoral do Rio Grande do Sul. Padilha disputa uma área de 1.929 hectares, o equivalente 12 parques do Ibirapuera, com a empresa Edusa Edificações Urbanas, do empresário João Perdomini. O terreno fica numa região de dunas, de frente para o mar, cobiçada por empresas do setor elétrico por ser ideal para construção de um parque eólico.
Dois empreendimentos que tentaram se estabelecer na área foram frustrados. Em outubro 2007, a Girassol Florestamento e Imobiliária, controlada por Padilha, firmou uma parceria com a empresa Elebras Projetos Ltda para construir e operar o que seria chamado de Parque Eólico de Tramandaí.
Em 2011, as empresas Ventos do Cabo Verde I e Ventos do Cabo Verde II venceram um leilão realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para instalar três parques eólicos na terra, com investimentos avaliados, à época, R$ 341,7 milhões. As geradoras tinham firmado um acordo com a Edusa Edificações Urbanas, propriedade da família Perdomini, que trava a disputa judicial com Padilha pelo terreno no litoral do Rio Grande do Sul.
O litígio
Acusado de ocupar irregularmente a área em Palmares do Sul (RS), o ministro alega ter direito à propriedade por usucapião, instituto legal que ocorre quando a aquisição de uma propriedade se dá pela posse prolongada da terra, e não pela sua compra. A família Perdomini acusa o ministro de ocupar irregularmente as terras.
Segundo Giovani Perdomini, filho de João Perdomini, sua família comprou as terras no início dos anos 1970 e possui uma matrícula registrada em cartório que atesta a posse e permanência na área, documento que é contestado por Padilha.
Na Justiça, o empresário Giovani Perdomini acusa Padilha de ser grileiro. O processo tramita na 9.ª Vara Federal de Porto Alegre desde 2007. A disputa é acompanhada pelo Ministério Público Federal, que verificou que a área em litígio pode envolver terras da Marinha, ou seja, bens que pertencem à União e que, consequentemente, não poderiam ser tomados por usucapião, como requer o ministro. Por lei, é considerada faixa de domínio da Marinha toda área de 190 metros de largura, ao longo do litoral, contada a partir da praia.
“Nossa família comprou e defende a área desde 1973. Já foram dezenas de processos contra a nossa propriedade, de vários autores e todos foram perdidos”, diz Giovani Perdomini. “Temos a concordância de todos os lindeiros (pessoas que vivem na fronteira com a área) em planta registrada no registro de imóveis. Então não há dúvida que somos os donos da terra”, afirma.
Em 2012, quando era deputado do PMDB pelo Rio Grande do Sul e já disputava a área, Padilha apresentou projeto de lei na Câmara que estabelecia novos critérios para demarcação de terrenos de Marinha e autorizava a transferência da administração dessas áreas a seus municípios. O projeto foi arquivado em janeiro de 2015. A legislação não impede congressistas de apresentarem projetos que podem beneficiá-los.
A Justiça Federal determinou a realização de “prova testemunhal e perícia topográfica e planimétrica” da área que a Edusa e o ministro Eliseu Padilha alegam serem donos. O caso segue em análise.
Os empreendimentos
Apesar de o projeto da Girasol Florestamento e Imobiliária para erguer um parque eólico na terra em disputa ter malogrado, o ministro não descartou completamente ter novos projetos. Questionado pelo Estado se tinha interesse comercial na área, Padilha declarou que “por enquanto, não”.
Para concorrer com o projeto eólico, as empresas Ventos do Cabo Verde I e II apresentaram as matrículas de imóvel cedidas pela Edusa, da família Perdomini. Os documentos foram analisados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), autarquia vinculada ao Ministério de Minas e Energia, que habilitou a participação dos projetos no leilão. Padilha, que à época era deputado federal, pediu a interferência do então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, seu colega de partido no PMDB. O objetivo era questionar a legalidade do resultado do leilão.
Lobão acionou, por meio de ofício, a EPE. O órgão, no entanto, voltou a garantir a legalidade dos empreendimentos, reafirmando que “houve observância das normas legais e regulamentares que regem o leilão”, além de ser a decisão estar calçada em “documentação emitida por cartório de registro de imóveis, devidamente válida e vigente”.
Ainda assim, no dia 11 de julho de 2012, Lobão ignorou o parecer da EPE e publicou um despacho no qual suspendia os projetos baseado exatamente no pleito de Padilha: “Em razão de denúncias a respeito da titularidade das áreas nas quais seriam construídos os empreendimentos”, afirmou à época.
A partir daí, os projetos sofreram sucessivos adiamentos, até acumularem 540 dias de atraso e restarem completamente inviabilizados, conforme reconhecido pela Aneel.
Em maio deste ano, quando Padilha passou a ser ministro da Casa Civil, as donas dos projetos finalmente jogaram a toalha e “comunicaram a desistência dos pedidos de postergação dos cronogramas de implantação”.
A Aneel avalia agora se essas empresas serão alvo de alguma punição financeira, por não terem entregado a energia que se comprometeram em gerar para o consumidor.
Defesa
Procurado pela reportagem, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, afirmou, por meio de sua assessoria, que “como advogado, promoveu muitas ações de usucapião” em Palmares do Sul (RS) e que “agora alega usucapião da área em disputa antes mencionada”.
A respeito de ter apresentado um projeto de lei que tratava justamente de mudanças em terras da Marinha, a assessoria de Padilha afirmou que as alterações propostas “não teriam nenhum efeito na ação, onde o ministro Padilha é réu”. “A área onde se situa o terreno em disputa não tem a demarcação da faixa de Marinha”, informou.
O ministro também disse que “nunca ouviu falar nas empresas Ventos do Cabo Verde I e II. Por óbvio nunca falou com nenhum ministro sobre elas ou sobre leilões do interesse delas”.
O advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende o ex-ministro Edison Lobão, negou que ele tenha agido para atender aos interesses de Padilha. “A decisão foi tomada com base em análise técnica e jurídica como qualquer outro processo analisado no Ministério de Minas e Energia”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.