A possibilidade de pedestres e ciclistas serem multados a partir de maio de 2018 levantou polêmica Brasil afora. A medida, que consta de resolução publicada pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran) em 27 de outubro sofreu questionamentos de todo o tipo, desde críticas à tentativa de punir o agente mais frágil no trânsito como medidas práticas para a aplicação de multas.
Segundo o Contran, o pedestre e ciclista infrator poderá ser abordado diretamente pelo agente de trânsito, que solicitará o nome completo, RG, CPF e endereço. Os procedimentos técnicos para aplicação da multa, porém, devem ser implementados pelos órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito (SNT) em 180 dias, para que a multa possa ser aplicada a partir de maio.
Entretanto, a Resolução nº 706/2017 parece ter pego o próprio SNT de surpresa. Vários órgãos já se manifestaram quanto a obstáculos práticos para aplicação de multas, como número de agentes reduzidos ou dificuldade para barrar ciclistas em alta velocidade. A Secretaria de Trânsito (Setran) de Curitiba informou, via assessoria de imprensa, que está sendo solicitada uma reunião com o presidente da Contran para esclarecer dúvidas a respeito da nova norma. A multa para pedestres e ciclistas estava prevista no Código Brasileiro de Trânsito (CBT), de 1997, mas ainda não tinha sido regulamentada.
Segundo a Setran, além da fiscalização, é preciso debater e regulamentar a educação de trânsito em escolas, para conscientizar os cidadãos desde cedo. Outra sugestão da Setran, conforme a assessoria de imprensa do órgão, é analisar a viabilidade de um curso de formação para ciclistas, “garantindo, desta forma, que todos tenham acesso às leis e regras do Código de Trânsito Brasileiro”. Para tirar a carteira de motorista ou moto, por exemplo, é preciso passar por um teste teórico em que é requisitado conhecimento sobre infrações e penalidades.
Muitas associações de ciclistas e de pedestres, porém, não aceitam nenhum modelo de multa, com o argumento de que os pedestres e o ciclistas não contam com calçadas ou ciclovias pavimentadas e sinalizadas com a mesma qualidade das ruas que cortam as cidades. “Frente à precariedade que se observa no espaço público dedicado a pedestres e ciclistas, e a todos aqueles que se movem pela cidade de forma ativa, não é justo cobrar que pedestres e ciclistas se adequem e utilizem infraestruturas que não respeitam suas necessidades e suas lógicas de deslocamento”, diz um manifesto que até a noite de quarta-feira passada era assinado por 37 entidades.
O vereador de Curitiba Goura Nataraj (PDT), eleito com a plataforma do cicloativismo, afirma que a Lei de Mobilidade Urbana, de 2012, prevê investimento e prioridade para ciclistas e pedestres, o que não ocorre em nenhum lugar do Brasil. “A multa representa uma inversão de prioridades. Entendo a necessidade de compatibilizar direitos e deveres. Mas acho que antes de partir para uma tentativa de taxar o mau comportamento é preciso garantir uma cidade acessível para quem pedala ou anda a pé”, observa.
O grande problema, diz Goura, é que as cidades brasileiras estão desenhadas para os carros, e os investimentos em ciclovias, por exemplo, se intensificaram apenas nos últimos cinco anos, com muito ainda a ser feito. “A bicicleta ainda é vista como política de gestão, não de estado, então as a atuais gestões de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro não estão dando continuidade aos projetos de mobilidade dos antecessores”, critica. Ele destaca que na Holanda, por exemplo, os ciclistas são multados por agentes à paisana, mas há uma extensa rede de infraestrutura, construída há décadas. “O urbanismo em Curitiba dos últimos meses está centrado na pavimentação de vias, o que vai levar a um aumento de velocidade dos carros. Como multar pedestres assim?”, questiona.
Cidadania
A Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (Cicloiguaçu) é uma das organizações que assinou o manifesto contra a Resolução nº 706/2017, mas há uma vertente que tenta analisar uma possível vantagem na cobrança de multas. “Alguns dizem que a punição poderia levar as pessoas a assumirem uma postura mais ativa, cobrando o poder público para investimentos em ciclovias e calçadas”, diz Fernando Rosenbaum, um dos coordenadores do movimento. Por outro lado, sempre são levantados os riscos inerentes a uma caminhada ou pedalada em cidades pró-carro. “Na maioria dos casos não há estrutura, ou há situações de perigo, então não é que a pessoa queira andar fora da faixa ou na rua, é simplesmente que ela quer salvar sua pele”, acrescenta.
A Setran ressalta que a travessia deve ser feita pela faixa de pedestres, “sempre que possível”, e que as pessoas devem olhar para os dois lados antes de atravessar, sem manusear o celular. Os ciclistas devem seguir as mesmas regras de trânsito dos veículos, como trafegar na mesma mão da rua, nunca na contramão ou nas canaletas de ônibus. E, por fim, o órgão destaca que a preferência é sempre do pedestre.